26Mar

Jorge Macedo é detentor de uma vasta obra, que parte do conhecimento científico ao artístico. A minha missão, nesta actividade, é falar sobre a sua produção teórico-literária. Neste âmbito, publicou os seguintes livros de que temos conhecimento: Literatura Angolana e Texto Literário (1989), Poéticas Na Literatura Angolana, Poesia Angolana (1975-2002): Apontamentos Históricos e Como Escrever Literatura (?). A nossa abordagem recairá sobre Poéticas Na Literatura Angolana, o qual fez parte do processo de doutrinação do Litteragris.

Em Poéticas na Literatura Angolana, Jorge Macedo faz uma abordagem teórico-crítica da poesia angolana e apresenta um estudo sobre as diferentes poéticas, ou seja, concepções estilísticas, que compõem canonicamente a antologia geral da poesia angolana, desde os primórdios até aos primeiros anos da independência nacional, identificando nove poéticas ou fases: Poética da Literatura Oral, Poética escrita de Motivação Oral, Poética Retórico sentimental, Poética Nacionalista de “Conceitos”, Poética do Nacionalismo Plurifacético, Outras Poéticas de Nacionalismo, Poética de Discurso Reticente de Obra Aberta, Poética da Guerrilha, Poéticas do Pós-independência. Deu continuidade deste projecto no livro Poesia Angolana (1975-2002): Apontamentos Históricos publicado pela União dos Escritores Angolanos.

Poéticas na Literatura Angolana traz treze capítulos: 1.Âmbito de abordagem, 2.Definições e Indefinições Sobre Poesia, 3.Tentativa de Avaliação do Menos e Mais Poético, 4.Contexto da Avaliação das Poéticas, 5.Poética da Literatura Oral, 6.O que Entender por Poética Escrita de Motivação Oral?, 7. Poética  Retórico Sentimental: 2º Nível?, 8.Poética Nacionalista de conceitos, 9.Poética Nacionalismo Plurifacético, 10.Outras Poéticas de Nacionalismo, 11.Poética de Discurso Reticente de Obra Aberta,12.Poética da Guerrilha,13.Poéticas de Pós-independência.

Por conseguinte, é preciso esclarecer que é impossível esgotar as várias ideias incorporadas neste livro, pelo que vamos nos cingir naquelas que são susceptíveis de provocar uma boa Maka. Nesta ordem, por conta da exiguidade do tempo, a nossa abordagem limitar-se-á em algumas linhas extraídas de três capítulos que podemos considerar cruciais para a identificar a ideia geral da obra. São três capítulos teóricos cujos conceitos aparecem liquefeitos nos capítulos de interpretação dos textos.

Em relação ao núcleo do título, de acordo com Macedo, a palavra “poética”, há mais de 7000 anos, vem adquirindo diversos significados. No seu trabalho, usa-a no plural (poéticas), “significando as práticas literárias, os estilos individuais ou colectivos (correntes, tendências), quer os géneros de “texto”, no campo de sua manifestação”.(p.18)

Parafraseando Everdosa, considera que a variação de poéticas no espaço da literatura angolana escrita, manifestada desde o século XIX, se deve a factores político-culturais. Para Macedo, a poesia produzida em Angola conhece práticas , formas e modos de dizer até aos anos 40 idênticos aos utilizados não só na literatura produzida em Portugal e por autores portugueses, como noutros países de língua portuguesa por autores cujo “ethos cultural” espelhava quer a consequência da assimilação durante séculos forjada por portugueses de cultura dentre  colonizados, quer a prática literária de portugueses que viviam defendendo certa angolanidade, porém em sua voz de cultura e finalmente desde os anos 40 uma prática poética-revolucionária, como tal patriótica que iniciava uma literatura nacionalista na forma  dos poetas.

No campo da forma, apoiando-se nas poéticas do nacionalismo, considera que não há muitas opções em termos de estilo. Embora traga o seu discurso em dois extremos (negativo/positivo) que se inscrevem conceptualmente em processos filosófico-criativos contrários, faz uma crítica incisiva àqueles que advogam a “literatura simples”:

Aos defensores da literatura simples interessa o uso de palavras correntes do conhecimento, certamente apoiados em princípios citados por Tzevetan Todorov, na sua obra Litterature et Signification, Langue et Langage (…), segundo os quais o discurso literário pode ser conotativo, sem que a linguagem figurada deva ser considerada única fonte de estética verbal. (Macedo, 1986,p.10)

Paralelamente a estes, na margem contrária, apresenta os poetas que “são pela transcendência da palavra e do poema como gerador de factos dinâmicos e supremos da língua”(p.10).

Para estes, a oposição a texto simples quando o estético é manifestado por gíria própria seria teoria falsa quando no real cada ramo da política, da matemática, da física, da química, da medicina, da pedagogia, das artes, inscreve-se em código e terminologia e semiótica própria. Assim se cada receptor se alfabetizar para descodificar o discurso próprio de cada uma dessas disciplinas, por qual razão o poeta deve abdicar do que enriquece o poema por se lhe impor uma descida da Himalaia da poética para aí rastejar às poesias da condescendência no chão de simplicidades e simplismos no mais das vezes negações de pressupostos do que é literatura (Macedo, 1986,p.10)

É possível perceber que Jorge Macedo, psicologicamente, se vê afectado entre a sua posição de académico que, em face ao exercício crítico, precisa tomar uma posição de neutralidade e as suas preferências estilísticas enquanto autor que privilegia a poética simbolista, a poética da sugestão, de metrificação curta, facto comprovável por via das suas obras e da forma como valoriza um tipo de poética em desfavor de outro tipo.

Segundo Jorge Macedo, o reconhecimento da grande poesia ou do discurso pouco e menos poético, quando se fazem avaliações de discurso, não agrada a alguns. Defende-se o arbitrário, a pretexto da liberdade de criação. Macedo (1986) considera que há quem se amofine quando recebe justa crítica sobre este ou aquele seu trabalho pouco conseguido e conceitua a Poesia como um mistério para eles ou talvez mito ilegível. “São estas dentre muitas as tendências intelectuais no tratamento da poesia angolana”.(p.11)

No segundo capítulo, Definições e Indefinições Sobre Poesia incide sobre as subjecções que se levantam em torno de uma definição referencial de poesia, quando dicionários, manuais de literatura e línguas, e até mesmo poetas apresentam vários conceitos (Podemos definir ou não a poesia), alguns dos quais o auditório conhece ou pode facilmente encontrar por via de uma pesquisa básica no Google. Neste âmbito, sentenciando se pode ser definida ou não, Macedo entende que, ao nível da forma, de como se produz o dizer poético, suas regras, seus recursos de elaboração, a poesia é definível. “As indefinições situam-se certamente no quadro do gozo, das sensações que transcendem o objectivo e voam no subjectivo. (p.16)

Em relação à oposição que surgiu nos anos 40, quando poetas e estudiosos reagiram contra tendências de se considerar a poesia mais a forma (ritmo, métrica) do que o conteúdo poético sobre a forma, Jorge Macedo responde que, “não que se decretasse a negação da forma pois ela dá rosto à arte, mas afirmar-se-ia que ela serve a valorização máxima do estético e não o contrário”.(p.17)

No terceiro capítulo, Tentativa de Avaliação do Menos e Mais Poético, Macedo parte da primícia segundo a qual “nem todos os textos oferecem o mesmo conteúdo, a mesma qualidade, a mesma linguagem poética”. Considera que o mais e o menos poético afirma-se como uma realidade sentida por pessoas autorizadas, teóricos, leitores de sensibilidade apurada, desde séculos. Para o autor, o reconhecimento de que o mais e o menos poético é um facto .”Prova a possibilidade de classificação poético-textual, a partir de trechos contendo valores diversos de poesia e por conseguinte que se podem arrumar pela ordem de valores, do menos ao mais”.(p.19)

Macedo faz uma crítica incisiva à ideia de que a poesia seja fácil e diz que pretende defender a necessidade de os produtores de texto ou teóricos jogarem a favor da afirmação de verdadeiros factos literários e não do favorecimento de desprazeres de trechos desclimatizados do estético. Assim sendo, necessário se torna gritar alto pela afirmação de que escrever poesia não pode ser o exercício do arbitrário somente porque não se pretende alimentar a lei do menor esforço, no sentido pior da expressão.

Para alimentar a nossa Maka, termino citando Macedo que considera que , no passado, acreditava-se de uma parte que o escritor(prosador) faz-se e o poeta nasce, e, consequentemente, a poesia seria um língua inata nessa espécie de pessoa rara que era considerado um poeta.

1. Poética da Literatura Oral:

Encerra toda a poesia tradicional que até hoje predomina nas comunidades etnoculturais angolanas.

2. Poética escrita de Motivação Oral:

Toda aquela poesia que interpõe recurso à oralidade ao transformar ou ao fossilizar provérbios, advinhas anedotas, etc., na sua estrutura interna. Ofereceram-se a esse exercício autores como Alexandre Dáskalos, António Jacinto, Viriato da Cruz; mas contemporaneamente, Rui Duarte de Carvalho, Paula Tavares, Lopito Feijóo, Zetho Cunha Gonçalves, David Kapelenguela; e, entre os novíssimos, Job Sipitali e Ema Nzadi.

3. Poética Retórico sentimental:

Seria aquela em que o lírico, o dramático e o retórico se entrelaçam ou alternam. Incluem-se nessa poética, de acordo com Macedo, autores como Adriano Botelho de Vasconcelos, Rui Augusto, Tomaz Viera da Cruz, etc.

4. Poética Nacionalista de “Conceitos”:

Macedo inclui a geração de 40 até meados de 60 do século passado e considera o temário geo-humano de configuração nacional, nacionalizante e nacionalista como o tronco comum das poéticas que circularam nesse período.

5. Poética do Nacionalismo Plurifacético:

Uma poética que reflectiria os problemas do homem na sua dimensão mais profunda, do ponto de vista sociopolítico cultural. Seu grande representante, informa Macedo, seria António Jacinto com o seu poema Carta de um Contratado e Monangamba.

6. Outras Poéticas de Nacionalismo:

Filiado no Movimento Vamos descobrir Angola, o nacionalismo é tratado com certas variações de forma. Destaca autores como Alda Lara, Alexandre Dáskalos, Aires de Almeida Santos, António Cardoso, etc., sem, no entanto, apresentar fundamentos mais esclarecedores.

7. Poética de Discurso Reticente de Obra Aberta:

Aquela que envolve simbologias, imagismos, conotações. Poesia figurativa rigidamente marcada por uma sintaxe em que se mortifica completamente a prosa. Samuel de Sousa, Arnaldo Santos, David Mestre, Adriano Botelho de Vasconcelos, Agostinho Neto, Ruy Duarte de Carvalho, etc., são os poetas referenciados.

8. Poética da Guerrilha:

Nasce com o início da Luta Armada, 4 de Fevereiro de 1961 e vai até 1974. As vozes distribuíram-se em diferentes lugares: entre os que estavam livres,a chamada Geração do Silêncio, com as devidas aspas,optando por uma estratégia discursiva de maximização do enigma com vista a tornar a mensagem inaudível pra as autoridades coloniais. O segundo espaço de criação poética será as prisões; o terceiro espaço, as zonas libertadas onde os poetas escreviam com alguma liberdade. Macedo cita nomes como Arnaldo Santos, Joffre Rocha, Manuel Rui, Ruy Duarte de Carvalho, João Maia Vila Nova, Adriano Botelho de Vasconcelos, etc., como os principais artífices deste espaço estético.

9. Poéticas do Pós-independência:

Considera marcante a Antologia de J.A. Lopito Feijóo intitulada No Caminho Doloroso das Coisas em que são destacados nomes como Paula Tavares, João Maimona, José Luís Mendonça, António Fonseca, Rui Augusto, Doriana, Ana de Santana, etc., ligados ao Brigadismo Literário e à revista Archote. Entretanto, convém referir que os primeiros anos da independência até aos anos 80, vive-se um período de confluência de poéticas consubstanciadas na angolanização das técnicas de composição elaboradas pelas vanguardas europeias (simbolismo, surrealismo, futurismo, experimentalismo, concretismo, etc.

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