30Mar

     Enfiamos na «agulha», a que muitos chamam de tempo: uma linha de linho fino que costura as diferenças que nos fazem iguais. Um ponto seguido doutro ponto… e, em cada ponto, um recomeço : Somos eternos princípios – cri ar, cri ar, cri ar…

     A nossa arte é pura e eternamente experimental. Vivemos onde saímos, na era doutra proposta, era das dez cobertas. Mesmo solo, mesma raiz, mesmo adubo e fruto diferente. Trilhamos o mesmo caminho – o da divindade e espiritualidade do homem e dàrte.

     Sonho, ponto de partida para a excelsa escrita onde, para além da exaltação à beleza, se evidenciam sentimentos – tanto de desejo como de pesar. Nossa arte é o nosso mundo, nossa mais bela criação. Com o agriscarimbo no manifesto de poesia, deixámos claro o que entendemos por literatura e essencialmente por poesia. Para a prosa o trajecto é o mesmo: CABEÇA NA LUA, PÉS NA TERRA.

     Depois da poesia berrada em uníssono, há palavras a sentir e a brotar nos dedos suplicando a corrente serena da prosa. Curvam-se ligeiras como se curvam os girassóis ante a quentura do sol. Não lhes podemos negar essa vontade, mas não as aceitamos terrestres e voapulamos com elas e as polvilhamos com pó de lua.

     Narrativa insípida?! Não! Ela vai a andar, meiga e suave como a merda. Não nos oferece um percurso provocador de emoções, como o despertar da vida do corpo fora dela. São muito amorosas, supérfluas, ocas e vaidosas, trabalhadas com uma habilidosa ternurice, deixando de fora a arte – o caos. São filtradas, tiram-lhes a sujidade, a alma, as rugas, o áspero e deixam apenas o limpo seco, o que não nos leva à nossa origem. Essa literatura não leva ao orgasmo – não há sexo entre as letras – é um simples e real monte de palavras sábias, em perfeita harmonia.

     As etapas do ser, o conjunto de fenómenos que o acompanham e a sociedade em si, valorizadas e embelezadas nas nossas letras são as grandes responsáveis da nossa produção prosaica, assim como os gritos além das nossas vozes.

     Na nossa visão a prosa deve deslizar das mãos do seu escultor – surreal – e de forma fantástica. Enquanto a poesia vem-nos instantânea, a prosa resulta da avaliação e reflexão em torno dos fenómenos que nos norteiam. Geralmente, essa construção segue um roteiro que parte dum facto real e, antes da documentação até à prática, ela é trabalhada entre o inconsciente e o consciente. Por fim, vem a avaliação da nossa própria produção, primeiro por uma auto-análise e depois a análise de terceiros.

     Para a prosa, desprezamos textos simplistas, mais informativos que literários. Apressados, fazem-nos comê-los crus, o que se vê principalmente numa grande parte dos romances, produzidos hoje e ontem.

     Para nós, é indispensável o mistério e a tensão narrativa à medida certa. A Agrisprosa faz reflectir, educa e entretém.

   Outra vez CABEÇA NA LUA, PÉS NA TERRA. Apresentamos este paradigma como o princípio da trajectória para a construção da agrisprosa e toda a nossa arte. Promovemos o fantástico, sim, mas não nos desfazemos totalmente do que se entende por realidade. Aliás, o fantástico decorre da realidade. E por que não o SUPER-REALISMO? Para nós, literatura é ARTE da transfiguração da palavra, arte do não simples, arte do não óbvio.

     As narrativas literárias não têm o compromisso de total ou parcialmente reflectir a realidade, mas pela função social do escritor e pelo poder da própria literatura é necessário que as usemos como atalho para desempoeirar olhos. Assim, com a nossa cabeça na lua, criamos uma realidade irreal, por meio da estruturação dos factos. E com os pés na terra, dentro do enredo, usamos estratagemas para pintar a existência como a vimos sem extrapolar a coerência interna da obra. Não seguimos uma tendência. Somos a nossa própria TENDÊNCIA. Facto que provoca, muitas vezes, eternas e profundas renovações estéticas no nosso Movimento.

     No entanto, a nossa narrativa é ficcional, mas composta de enunciados que representam uma linha fina de factos reais. Assim, os assuntos são contados de acordo com estratégias discursivas que mantêm ou não uma ligação de adjacência com a realidade.

     Pensamos que de acordo a intenção do escritor, ainda que a narrativa ficcional tenha propositadamente caracteres que nos remetam ao mundo real com propósitos sociológicos, didácticos ou moralistas, não devemos deixar de ter em conta a comparência de um narrador, o procedimento estético do texto e a sua função poética devem transpor-nos para uma leitura que deverá deslocar-nos a uma análise que tenha em vista as coordenadas que fazem uma narrativa ser considerada ficcional.

     A nossa narrativa tem um conteúdo minuciosamente seleccionado, e o discurso é narrado de forma inovadora e, de acordo com a intensidade da própria história, visto que temos romances narrados na 2ª pessoa o que constitui uma novidade dentro do mercado literário angolano. A narração é assim feita pela intenção do narrador em acusar o herói da história.

     Pensamos que a história seja o conjunto dos acontecimentos narrados, e que englobe, em sua significação geral durante a narração, outros elementos ou conceitos que fazem parte da estrutura da narrativa enquanto unidade orgânica. Desta feita, para ocorrer a história, é necessário primordialmente: personagens que vivenciem a história e uma sequência de acções que desenvolvam o enredo.

     A sucessão de acções, as relações entre as personagens, localização dos eventos num contexto espácio-temporal, são aspectos que encaramos de forma diferente na medida em que utilizamos vários recursos durante a produção textual. Por exemplo, muitas vezes a história narrada não segue uma ordem cronológica nem uma sequência logicamente ordenada dos eventos. Desse modo, podemos dizer que a história corresponde ao conteúdo da narração, ou seja, ao seu significado, enquanto o discurso que veicula a história é o seu significante.

     Porém, consideramos que não é possível existir uma divisão dicotómica entre história e discurso, sendo que a narrativa é o resultado de uma profunda interacção entre o que se conta e o discurso narrativo.

     Estamos na era da decadência das personagens e do enredo. Nota-se nos textos um enredo de contornos indefiníveis, muitas vezes ambíguos, e personagens com crises de identificação e dissolução do eu. As personagens, na maior parte da nossa narrativa de ficção, são susceptíveis a mudanças, transformações sociais, estéticas e ideológicas, em cada momento histórico, são dotadas de uma forte caracterização, e apresentam características individuais sólidas e muito marcantes. Propagam hesitação, não morrem na primeira leitura, despertam perguntas resolvidas decisivamente durante a leitura. Em termos de descrições, nada se compara a plenitude delas.

     Em luta contra os deuses ou os elementos da natureza, em luta contra as adversidades ou simplesmente em luta solitária contra a sociedade ou consigo mesmo, encontramos escritores ou talvez irmãos de alma, com os quais nos identificamos, Adriano Mixinge, João Tala, entre outros – pouquíssimos. Esses apresentam qualidade que os destacam de outros profissionais da escrita, não correm o percurso da busca pela aprovação, as suas artes falam por eles. Descobrimos nelas o trunfo da superação, porém, fazem-nos ir ao encontro de um epílogo fantástico.

     A nossa narrativa é desenvolvida nos termos da sequência, linear ou não, e das acções das personagens entre si. Essas acções, algumas vezes, são influenciadas pelo ambiente que contextualiza a história em termos espaciais e temporais. Trazemos todos os encontros e embates possíveis no decorrer da trama.

     Nos contos, modelamos o conceito de enredo. A narrativa dá-se em torno de um enigma, e apresenta, geralmente, uma curta mas explosiva tensão, em termos da complexidade do desenvolvimento do texto com desfecho surpreendente, e conclui ou desenlaça a densa elaboração de todos os embates de acções entre as personagens que são a própria matéria do enredo.

     Em um pensamento, para nós, um acto narrativo assume diversas particularidades. A prosa tem afinidades com a poesia; tem de trazer uma abordagem social, filosófica e estética.

    Vómito! É assim que olhamos para a narrativa sem conteúdo, sem sintonia com os valores humanistas e a afirmação do homem, aquelas que desvalorizam profundamente o conceito concomitante de escritor ao promover a decadência dos valores humanistas e a ter o amor nojento como centro do enredo. Nessa prosa, o homem surge como um ser que perdeu o sentido num mundo mutilado pelo pensamento oco, pelo feroz avanço do capitalismo selvagem e pelo aperfeiçoamento e crescimento das máquinas na produção do capital. O mundo torna-se um lugar absurdo, fragmentado e sem esperança.

     Fazem do amor e do erotismo baratos os acontecimentos mais importantes. Por isso – cabeça na Lua, pés na terra – nessa de fingir, que não vê que nos vêem.

Luanda, 2017

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