Vivemos numa era de decadência total: época de crise alargada, em todos os sectores da vida humana. Importa-se-nos mais a crise económica porque nos acostumamos a pensar com os intestinos. Dir-se-ia, em termos hierárquicos, que é a crise política a mais gritante.
Porém, não se pode negar que o homem novo terá perdido em algum inobservado momento cataclísmico toda a sensibilidade e educação. Diversas razões histórico-culturais justificariam o seu estado. No entanto, acreditamos que a inexistência dum pensamento filosófico africano, contemporâneo e autónomo que se adequasse às circunstâncias impostas pelos diferentes contextos socioculturais, terá comprometido todo um projecto de reorganização político-cultural após o grande choque civilizacional. Tínhamos de admitir que, em razão do longo processo de colonização – éramos outros a seguir às independências.
Uma palavra de extrema importância e fundamental para a formação do homem novo: FAMÍLIA. Entendendo o seu conceito, evitar-se-ia um conjunto de situações desagradáveis que hoje se revelam como o espelho de África, reflectindo as propostas de vida do homem novo. O homem novo é também o africano que, em pleno século XXI, ainda luta pela sua dignidade. E tendo tudo, quase nada faz para a sua afirmação num contexto global hoje ferido.
O homem novo é um homem bruto, é arrogante, indisciplinado; a corrupção é-lhe congénita. O homem novo é pai, é polícia, é professor, é político, é médico, é padre, é pastor, é angolano, é africano; está em toda parte – é cidadão do mundo – desempenhando estes, e outros papéis – sem ética e moral. Logo, a grande crise mundial resume-se permanentemente na falta de princípios éticos e morais. Para nós, tal crise consubstancia-se na escassez de modelos cívicos africanos, uma vez que todos os modelos civilizacionais ocidentais falharam. A moral é a chave, mudaria os principais agentes de mudança e seria o garante da coesão social. Estes – com os seus projectos de sociedades que geralmente decorrem de pleitos eleitorais – mudariam o mundo. Mas que moral, quando nem mesmo o «Cristianismo» foi eficiente?!
A decadência é geral. Esse mundo, «hoje apartamento global», parece estar em via de colisão. Vivemos sob a ameaça das potências mundiais. Economias dependem das suas guerras cada vez mais frias e perigosas. O homem novo precisa surgir em todo o mundo. É urgente que o resgatemos. Porém, já que melhorias se nos afiguram como utopias, resta-nos sonhar. Apenas sonhar.
Há algemas invisíveis mais do que visíveis a atar-nos os braços. Por isso, partimos agrissurrealisticamente para algum lugar: um lugar de eleição, onde podemos sonhar acordados e exercitar, voandando livre mente, a liberdade que o chão nos não dá. Não é cobardia viver na lua quando se inventam paisagens para assuntos terrestres. No entanto, por mais dura que a realidade se nos afigure – essa decadência não pode afectar a nossa arte.
A grande Literatura, sem afastar nenhuma categoria modal (lírica, narrativa e dramática), é a arte da palavra transfigurada. Ela exige um certo trabalho e estudo. Por isso, nessa luta entre o estético e o utilitário, surgimos simultaneamente: por um lado, vanguardistas, porque apresentamos uma nova metalinguagem no sistema semiótico literário angolano; por outro, conservadores, porque estamos à margem dessa proposta de marginalização da arte, apresentada pela nova vaga de super poetas-declamadores que demonstram uma clara despreocupação com a dimensão estético-literária da coisa que quase partilhamos. Neste período de arte performativa, ali, são os declamadores que escrevem e publicam em livros – suporte que empobrece a arte por estes praticada – os seus textos quilométricos e demasiados denotativos; aqui, continuam a ser os poetas que escrevem os textos para declamar quando convier. A arte deve reunir o estético e o utilitário na medida certa. No entanto, não se pode negar que a primeira dimensão da Literatura seja a estética. Fosse outra, não seria arte.
TUNDA VALA sai pela segunda vez à rua com mais clarezas e certezas. A poesia ressurge com um rosto algo diferente e a agrisprosa surge pela primeira vez.
A nossa poesia é a nossa poesia. A base é surrealista, mas existe entre o simbolismo, o concretismo e o experimentalismo. É a mesma agrispoesia da primeira edição. Agora com o fenómeno da desfixação (Mabanza Kambaca, 2017) ou desmembramento (Alfredo Kalala, 2017): técnica estilística que consiste na separação morfológica de radicais e de afixos que, isolados, conseguem se constituir como unidades semânticas plenas. Ex.: (Felizmente= feliz mente). Ela eleva o grau de ambiguidade, impondo ao leitor várias formas de leitura. A desfixação ou desmembramento não é uma opção estilístico-literária nova em Angola. No entanto, ela atinge o seu auge e fundamentação teórica com o Movimento Litteragris. Por vezes, podemos assistir a uma radicalização da desfixação e a construção do significado decorre do jogo semiótico-fonológico dos significantes. Os afixos podem não se constituir como lexemas ou unidades semânticas plenas. A semântica do seu conteúdo decorre da combinação de fonemas isolados, apresentando-se a combinação de sons de palavras diferentes como um factor de semiose. Partimos as palavras porque vivemos numa sociedade religiosa, política e socialmente segregada. A desfixação ou desmembramento reflecte um estado psicossocial colectivo, o nosso repúdio a todos os que não conseguem viver na diferença por via da palavra poética.
A nossa prosa é bela. Fantástica. Surge da azia pelo vulgar. Tal como a poesia é regida pelo princípio ideoestético «Cabeça na lua, pés na terra».
Arte é sinónima de abstracção desde a época Aristotélica. Por quê contar os factos tal como eles ocorrem e designar esses registos por Literatura strictu sensu? Não estariam a roubar a função dos historiadores?
Os manifestos são declarações colectivas escritas por individualidades do Movimento; os ensaios encerram uma dimensão doutrinária; as crónicas são filosóficas e floreadas, o materialismo filosófico como proposta de interpretação do fenómeno literário cresce e surgirá como um triunfo nas próximas edições.
Os pequenos homens apegar-se-ão às coisas pequenas; os grandes apegar-se-ão às grandes coisas. Gralhas não faltarão. Elas podem decorrer dum lapso ou distracção e, se denotar alguma incapacidade racional de nossa parte, podem acusar também os deuses que nos ensinam sobre viver. Porque o que somos é uma força interior com alguma influência externa. Abraçámos o autodidatismo e largamos as muletas. Não julgues a nossa obra pela qualidade editorial ou pelo material imprenso. Vivemos tempos difíceis e de urgências. O contexto justifica os meios. Apega-te ao conteúdo. É enorme. Esta é seguramente das colectâneas mais bem conseguidas, publicadas após a independência. E não há vírgula mal posta que oblitere o seu conteúdo.