Naquelas bandas de Canjinji, apareceu misteriosamente a verdadeira poesia carnal: rosto deusificado, olhos multicolores, cabelos negros de Kianda e um corpo todo esponjoso. Era a Kayeye, um fogo de mulher, uma criatura perfeita aos olhos humanos. Mas como a perfeição não é coisa do ser humano, faltava-lhe uma voz, uma voz que ficou presa nas garras do silêncio, desde que veio ao feroz mundo. Mas a mudez não anulava a sua abundante beleza, pois simplesmente com o seu olhar virginal hipnotizava uma infinidade de homens, cujo desejo maior era comer a maçã da reincarnada Eva.
Em sua benevolente alma, Kayeye carregava uma maldita maldição que lhe rasgava o desejo excitante da vida. De tão bela que era, de tão sensual que era, de tão afável que era, ninguém lhe podia proferir palavras ofensivas, imundas ou desrespeitosas, senão a maldição erguer-se-ia e estender-se-ia para todos os que ali viviam.
Um dia desses em que a lua decidiu não aparecer, Kayeye saiu em passos camaleónicos, transbordando a beleza do seu maragnífico corpo por toda aquela região. Numa esquina de nome “Cinquentinha”, passou por um grupinho de jovens que curtiam um banzelo a mandar umas cucas pro peito. Um deles chamado Kwangwangwa, masturbado num simples olhar, resolveu chamá-la e fê-lo de todas as formas possíveis, mas Kayeye continuou sua trajectória que não tinha começo nem fim. Kwangwangwa por sua vez, irritado por ser ignorado diante dos kambas, já consumido pelo que consumia, gritou em alta voz:
– Hum, tipo num caga! Puta de merda!
De repente, tudo parou, o céu escureceu-se e o silêncio reinou. Nesse instante, Kayeye desapareceu e, com ela, todas as vozes. Todos perderam a fala e começaram a comunicar através de gestos.
Na noite deste mesmo tenebroso dia, Kayeye apareceu no centro de Canjinji sob forma de uma gigante pedra de cristal, cravada com a seguinte mensagem: «Quem não fala também comunica». Em seguida, reapareceu a Kwangwangwa, enquanto este estendia as bolas no seu quartinho de chapa, tentando buscar as vozes que se tinham evaporado com a misteriosa beleza de Kayeye. Desta vez, sob forma de uma pena de galinha, Kayeye pincelou no tecto, onde justamente olhava Kwangwangwa, deixando mais uma mensagem: «A salvação está em tuas mãos».
Kwangwangwa levantou-se assustado, já com uma faca na mão, procurava a misteriosa pena, mas encontrou apenas um nada, um vazio que o engolia. Desesperado, arrojou-se no chão e logo lembrou-se da mensagem que Kayeye o deixou. Rapidamente, abriu as mãos, onde encontrou mais uma mensagem: «Vá agora ao cemitério, desenterra a cova de um daqueles que andou a estigar os que não falam e queime o seu esqueleto. Aproveite o pó, jogue-o ao cair da madrugada com o cantar do galo e tudo se restituirá».
Então, mesmo vibrando de medo, Kwangwangwa saíu e fez tudo o que Kayeye lhe tinha orientado. Mas nenhum galo cantou, pois o silêncio encarregou-se de levar consigo tudo o que era som. Portanto, a maldição do silêncio ali se instalou e tudo virou um vazio, restando apenas Kayeye sob a forma daquela gigante pedra de cristal com a sua pedagógica mensagem: «Quem não fala também comunica».