Um dia trôpego, ferozmente, avizinhava-se no município do Bembe. As nuvens acordaram magras, desgrenhadas, enrugadas e feias, ameaçando espremer os excitados seios, cujo leite desembocaria numa boa chuvada.
A sereia surgiu de um ovo que tentava fazer travessia dum incerto lugar para o sistema interplanetário, onde seria fecundado por um mitológico deus com reinado de pedra. Mas, as colisões sísmicas entre os seres alados do espaço amorteceram-na ao ponto de cair naquele maldito espaço – Nkixi. Talvez tenha sido este o motivo da sua beleza que ardia, esfarelando os homens de alucinação.
Lulendo provinha do mar. Era um deus ressuscitado do eterno esquecimento para governar Nkixi. Poderoso e forte, que nem Mandume, arrastava tudo e todos ao longo da sua passagem. No seu percurso, seu corpo disparava pesado chumbo, matando as crianças que se aproximavam; as casas caíam de medo, porque, segundo a lenda, ele vinha com terrenos do ventre da sua mãe, por isso, só estes poderiam existir e eram, para ele, dejectos exclusivamente seus.
Os homens, para não morrer, adulavam, pintando-o de honra e glórias, até certo ponto desmesuradas, mas convinha, porque era uma das mendicâncias para que se ganhasse a vida e o pão.
Certo dia, a sereia banhava-se despida por cima da água, e Zengi atingiu-a com a flecha da sua beleza. Daí, nasceu o amor e a guerrilha, que entrelaçaria ambos e mais um terceiro, o deus do mar, que considerava Makyese, a sereia, ser propriedade sua por ter a vida anfíbia, apesar de ter vindo de outro planeta. Zengi confluía na mesma alegação, dizendo que a beldade tinha alma terrena, mas Lulendo altercava, inflamando-se de furor porque os terrenos também o pertenciam. Nisto, o caos estava instalado!
Na noite em que a lua lacrimejava de prazer, devido ao coito conjugal, Zengi e Makyese bebiam-se com profundo olhar – apaixonados. E eis que à porta, um murmúrio fez-se corpóreo, dando entrada, em remoinho, ao possesso ser de Lulendo até ao quarto onde o casal se enrolava em beijos. Do pano de sonho, Makyese despertou-se e bradou para o homem:
“Cuidado, Zengi!”
Zengi caiu em espiral, escapando do fulminado olhar de Lulendo. Sem poder nem magia, invadido na sua propriedade própria, o coitado tentava encontrar o corpo no próprio corpo, enquanto a beldade travava uma moção de forças com o opositor.
Mais valente, pois a sua força, à dimensão cósmica, derivava da cosmogonia, pela qual se debatia, defendendo o povo, Makyese conseguiu reduzir Lulendo ao tamanho de migalhas de pão, mas este recompôs-se, entre tanto, já esvaziado de forças. Ele chorava amargamente debaixo da potente perna da mulher, percebendo que não deixaria a terra por herança a seus filhos e familiares.
Coração de humano, coração de manteiga. Zengi, visceralmente recomposto, empurrou a mulher pelos ombros, salvando o coitadinho que se esvaía debaixo do pé.
O pobre deus, sem um fio de dignidade, esqueceu-se do buraco por onde entrara e acasalou a humilde bola com a parede, onde os pensamentos choviam em turbilhão.
À beira mar, Lulendo bateu as palmas, jogou três ovos de rajada à extensão da água, e o barco que o conduziria ao meio do mar apareceu, mas o condutor estava ultrapassado em doses de estucadas mágoas, porque o deus perdera a guerra e a terra, sendo substituído por outro mais carrasco que ele, porém, débil.
Depois do pesadelo com Lulendo, a paz voltaria a reinar no ninho do casal, se Zengi não se tivesse derretido pelo olhar flor de uma humana igual, o que causou a sua loucura, emanada das leis matrimoniais entre uma sereia e um ser humano. E Makyese voltou ao seu primeiro berço para rejuvenescer, porque era uma mitológica criatura em constante vir a ser.