Helder Simbad: Pepetela é apresentado pela crítica Brasileira como o teorizador da prosa animista e o ponto de partida é o seu romance “Lueji: O Nascimento de um Império”. Concorda com esta afirmação?
Pepetela: No “Lueji” pus na boca de um personagem algumas afirmações com que brincava com o Henrique Abranches em relação ao que ele e vários autores escreviam na altura, bebendo no rico fabulário angolano e nos contos tradicionais. Mas nunca tentei teorizar sobre o tema, pois não conheço nem tentei conhecer Teoria Literária. Sempre digo que sou um prático da literatura, não um teórico.
Helder Simbad:Harry Garuba, um teórico sul africano, tem sido considerado a referência em relação ao estudo da prosa animista. Conhece-lo?
Pepetela:Não conheço. Como afirmei antes, nunca me dediquei a ler livros sobre literatura, apenas os obrigatórios do Liceu. Ou alguns artigos. Nem leio as teses que escrevem sobre as minhas obras, apenas o sumário.
Helder Simbad: Tendo respondido afirmativamente à pergunta acima, uma vez que Angola é considerada o berço, porquê Harry Garuba e não um crítico angolano, por exemplo?
Pepetela:Ficou respondido acima. Como nenhum de nós teorizou o assunto, pelo que depreendo agora, então por que não aceitar o sr. Garuba ou outro qualquer?

Helder Simbad:O que o animismo representa na sua obra?
Pepetela:Tenho feito o que muitos outros fizeram. Assis Júnior, por exemplo, há um século. À sua maneira, cada um dos autores percebeu a importância que determinadas crenças ou tradições tinham na vida dos seus personagens (ou nas pessoas que influenciaram os seus personagens) e não o esconderam na prosa que escreviam. Daí tantas obras tocando nos “feitiços”, espíritos, deuses, acontecimentos inexplicáveis. Fragata de Morais fez um apanhado de muitos textos ou pedaços de textos em que se abordam essas crenças e atitudes na literatura angolana (“O Fantástico na Prosa Angolana”). Por vezes é apenas superficialmente, mas muitas vezes esse uso do maravilhoso é quase estrutural numa obra. Penso em Anibal Simões, só para dar mais um exempl

Helder Simbad:Acredita ser uma resposta ao fantástico europeu e ao realismo mágico hispano-americano?
Pepetela:Não sei se surge como resposta, mas me parece que surge em todo o mundo como literatura baseada em tradições antigas. E a nossa oratura é mais antiga que a literatura do continente americano, o qual também tem as suas oraturas.
Helder Simbad:O que lhe terá motivado a optar por este tipo de prosa?
Pepetela:Quando me perguntam se realmente acredito no feitiço, costumo responder: “Não importa se eu acredito. Nos meus livros vivem personagens (espero). Se estas crêem, que direito tenho de esconder isso dos leitores?” Mas atenção, acho que a maior parte da minha prosa é apenas realista, isto é, uma tentativa de analisar uma determinada realidade, normalmente a de partes de Angola. Com excepção de três livros situados fora de Angola.
Helder Simbad:Em que ano publicou pela primeira o conto “Estranhos Pássaros de Asas Abertas”?
Pepetela:Foi escrito para a edição especial de “Os Lusíadas” publicada pelo “Expresso” de Portugal em 2003. Esse poema de Camões tem dez Cantos. Convidaram dez escritores a escreverem uma prosa relacionada com um dos Cantos. Eu escolhi o Canto V, que trata de um desembarque em África. Saiu esse conto que depois foi retomado nos “Contos de Morte” e em várias antologias.
Helder Simbad:Se eu dissesse que, do ponto de vista teórico, das leituras efectuadas por mim, “Estranhos Pássaros de Asas Abertas”é o exemplo mais pragmático da prosa animista, concordaria comigo?
Pepetela: A intenção era a de pôr as crenças e tradições europeias, tão presentes nos “Lusíadas”, por influência de Homero e Virgílio, em relação com crenças ou culturas de raiz africana numa estória tirada do livro de Camões, aí aparecendo como um facto real. Só podia dar coisa parecida com isso…
Helder Simbad:Temos uma noção sobre a intenção do autor ao parodiar Camões, mas pode-nos dizer verdadeiramente as suas reais intenções?
Pepetela:Aquilo que na historiografia europeia e colonial aparece como o primeiro contacto entre portugueses e africanos (o começo do colonialismo) já nos mostra que esses contactos seriam baseados na falta de respeito dos que os receberam, no abuso da força e do engano por parte dos visitantes, na exploração desenfreada, e por isso provocariam uma resposta violenta.
Helder Simbad: Aproveitando o ensejo, esta última questão será para a minha revista de crítica literária, que homenageia o seu romance “Mayombe” e conta já com duas edições: como olha para a Literatura Angolana produzida desde os anos 80 até a presente data?
Pepetela:Vai fazendo o seu caminho, graças à criatividade e teimosia dos escritores. E dos que vão aparecendo e crescendo como escritores. Mas tem tido muito pouco apoio institucional, em todos os aspectos: qualidade do ensino, dificuldades imensas de publicação, fraca divulgação e distribuição, pouca crítica literária. No entanto, ela persiste e devemos ter orgulho nela.