MM: Figura de proa da literatura angolana, como olha, enquanto especialista em literatura, para o legado poético de Agostinho Neto?
HS: Eu olho para o legado poético de Agostinho Neto como um vasto repertório do qual os poetas das gerações do presente e das gerações do futuro poderão extrair conhecimento estético, conhecimento filosófico, conhecimento da própria história da Literatura Angolana e da história da Política angolana. É algo que deve ser encarado ou que eu encaro, na verdade, com muita responsabilidade.

MM: Acha que a crítica literária tem operado a sua função na visão e revisão da obra de Neto para cada geração e contexto?
Acredito que sim. Neto, por força da sua condição poética, pela importância e peso que teve para a sua geração e para a História da própria Literatura Angolana, porquanto ele fez parte da geração Mensagem, tão-somente aquela que alicerçou as bases… ou que determinou as bases da Literatura Angolana. Neto tem sido estudado por diferentes teóricos de diferentes gerações. Penso que, deste ponto de vista, tem sido salvaguardado a sua produção. Porquanto o Memorial também e a própria Fundação Agostinho Neto têm feito o seu papel, instigando ou levando a que os estudiosos, episodicamente, façam alguns trabalhos sobre a poética, até mesmo sobre a produção filosófica de Agostinho Neto. O que na verdade… nós…, e acredito que seja isso que se quer … se é suficiente ou não, eu acredito que ainda não é suficiente, e não será simplismente por Agostinho Neto. É um drama, digamos geral, transversal a todos os escritores da sua geração e das gerações seguintes. Nós precisamos, cada vez mais, integrar e estudar a Literatura Angolana no verdadeiro sentido da palavra. Nós temos, por exemplo, no plano curricular, determinadas matérias cujos exemplos são buscados em escritores estrangeiros para justificar determinado conceito, quando, na verdade, os nossos conceitos devem estar alicerçados nos nossos principais autores. E deste ponto de vista, Neto teria muita coisa a dar.
MM: Particularmente, tem algum artigo sobre a obra de Neto? E quais foram as motivações do estudo? Parece que todos começam ou passam pela obra de Neto… No fundo, por esse quesito, é justo o atributo de “poeta incontornável”?
HS: O título de poeta incontornável é sempre merecido. Ele é uma figura incontornável, não só para a Literatura como para todo o país. E é normal o peso que se dá a esta figura, é totalmente normal. E estes títulos, às vezes, por não serem de convergência e porque a literatura remete ao gosto, levanta sempre algumas objecções e etc., mas, a dimensão institucional da própria literatura obriga a que tenhamos ou que elejamos determinadas figuras e as atribuamos títulos como este.
MM: Enquanto geração jovem, o que deveria ser feito para estimular visões novas e estudos interdisciplinares com a obra de Neto? Ou acreditam que o debate à volta da obra de NETO já esteja saturado num contexto específico?

HS: Cada geração apresenta os seus críticos. E esses críticos procuram trazer uma visão própria, determinada até mesmo pelo próprio contexto; é uma visão que se propõe, na verdade, a reler, a revisar, a revisitar as obras de autores já consagrados e para Agostinho Neto não se foge a regra, nós temos diferentes abordagens, nunca feitas em outros períodos sobre a produção de Agostinho Neto, sobre a prosa, por exemplo. Eu particularmente faço uma leitura psicocrítica da personagem “velho João” do conto “Náusea” que acredito ser algo novo e acredito que colegas meus também tenham apresentado abordagens um pouco distante do que tem sido a praxis. E nós somos chamados a isso, a nos reenventar, a revolucionar até a própria produção crítica.
Em se Falando sobre os autores, nunca há saturação, na medida em que, conforme já disse, os críticos tendem a se posicionar de acordo ou em função do seu próprio contexto, em função das visões que o contexto ou que o seu tempo o impõe. Nós nunca teremos a mesma visão, por exemplo, dos críticos dos anos 80. Então será sempre uma releitura, sempre que nos propusemos abordar determinada temática a respeito da obra de Agostinho Neto.
MM: Enquanto estudioso da literatura, pode explicar a experiência pessoal no contacto com a obra de Neto?
HS: Eu não sou apenas estudioso. A experiência que eu tive com a obra de Agostinho Neto, começando com a “Náusea”, é de conhecer determinados fenómenos da psicologia, como já disse, fiz uma abordagem psicocrítica, fui obrigado a investigar para poder compreender, do ponto de vista ontológico, a personagem principal desta narrativa. É uma experiência de descoberta. De pesquisa e etc.. Mas, como poeta, eu também tenho as minhas experiências com Agostinho Neto. Já escrevi poemas que mantém, no plano intertextual, um diálogo com a poesia de Agostinho Neto. Agostinho Neto acaba sempre por influenciar até certo ponto aqueles que o conseguem ler sem , digamos, grandes motivações polítticas ou ideológicas. Se quisermos simplesmente extrair a alma do poeta, nós conseguimos sempre ser influenciados.
MM: Relativamente aos textos de grande destaque, tem, na sua visão de leitor(a), algum texto de Neto que não tem merecido a honra devida no espaço público?
HS: Eu acredito que Neto tem grandes textos que não têm merecido a honra devido ao espaço público, porque, como sempre tenho dito, para Agostinho Neto há sempre excessos. Os que elogiam exageram, os que criticam também exageram. Neto tem um conjunto de textos que falam por si, mas a opinião pública, por se encontrar circunscrita a uma determinada ideologia, procura sempre buscar por aqueles textos que fundamentam essa ideologia como o “Havemos de Voltar” que, do ponto de vista estético, não se compara a muitos dos textos que tenham sido produzidos por Agostinho Neto. Falo, por exemplo, do poema “Certeza” e de muitos outros. Agostinho Neto tem textos com uma dimensão poética considerável que deveriam ser mais bem divulgados e não muitos desses textos para justificar fundamentos ideológicos de matriz política, etc.. O texto “Náusea” de Agostinho Neto é um texto que deveria ser também de leitura obrigatória. É uma prosa muito boa, bastante sintética e até mesmo elevada do ponto de vista estético.