24Abr

O objectivo da literatura não é o prazer, mas o conhecimento do homem e da realidade (Álvaro Lins, 1963, p. 159).

 

O presente estudo pretende explorar, por meio da obra “Os Discursos do ‘Mestre’ Tamoda,” uma perspectiva intrigante que aborda questões relacionadas ao colonialismo e intelectualismo, implicando na dinâmica da sociedade intelectual actual. Nesta análise, mergulharemos na representação simbólica de ‘Mestre’ Tamoda, examinando como essa figura emblemática personifica não apenas a conflituosidade inerente à colonização, mas também a ilusão da sociedade intelectual actual.

Para melhorar a compreensão que pretendemos transmitir por meio de nossa leitura, nossa transdução literária será orientada pelo conceito sociológico de assimilação, tendo como base metodológica o materialismo filosófico como teoria da literatura – Uma Teoria da Literatura Científica, Crítica e Dialéctica.

Assimilação é o processo social em virtude do qual indivíduos e grupos diferentes aceitam e adquirem padrões comportamentais, tradições, sentimentos e atitudes da outra parte (Lakatos, 1990, p. 88).

A partir da citação acima enfatizamos que a assimilação é um fenómeno social complexo que envolve não apenas a adoçam de comportamentos externos, mas também a internalização de sentimentos e atitudes associados à cultura dominante. Esse processo pode ter implicações significativas para a identidade individual e colectiva, bem como para as dinâmicas culturais e sociais em uma sociedade.

Considerando a assimilação, buscaremos determinar como ele proporciona o ambiente, os costumes, os traços grupais e as ideias sobre o funcionamento de uma sociedade, tanto no passado quanto no presente em ‘‘Os Discursos do ‘Mestre’ Tamoda”, de Uanhenga Xitu.

 

 

A obra em questão é uma novela que, estruturalmente, consiste em 6 capítulos, sendo o sexto capítulo o mais extenso e fastidioso. Em cada capítulo, a personagem principal, “Tamoda”, apresenta um discurso ou participa de conversas com outros personagens para demonstrar seu português memorizado e dicionarizado.

A personagem “Mestre” Tamoda desempenha um papel significativo, representando, em primeiro lugar, a conflituosa situação colonial e, em segundo lugar, a ilusão da sociedade intelectual, conforme indicado pelo título de nossa abordagem.

Em primeiro lugar, cabe-nos apresentar a conflituosidade típica de uma situação colonial representada por “Mestre” Tamoda, cuja lógica de aprendizado corresponde a uma submissão imposta pelo colonizador. Essa lógica opressora ignora a existência dos colonizados por meio da política de assimilação, considerada uma tentativa de destruir a tradição cultural das suas colónias africanas e, por meio da sua europeização, criar uma elite privilegiada que colaboraria com os colonizadores.

Após a Segunda Guerra Mundial, num contexto político e social europeu onde o princípio da ‘assimilação’ fora substituído por uma cada vez maior autonomia e mesmo independência, o luso-tropicalismo de Gilberto Freyre (1933/1992) – segundo o qual os portugueses teriam uma especial aptidão para lidar com os povos dos trópicos – transformou-se num instrumento de justificação para a afirmação da especificidade do colonialismo português (Sousa, 2008 p.55).

 

A política de assimilação foi, sem dúvida, uma espécie de força influenciadora que contribuiu fortemente para a desestruturação do pensamento. Isso fez com que as pessoas adoptassem uma mentalidade voltada para um tipo de modismo, levando ao surgimento dos ‘assimilados’.

Nesse sentido, a busca pela assimilação resultou na adoçam acrítica de ideias e comportamentos populares, muitas vezes à custa da reflexão individual e do pensamento crítico. No seu contexto, isto é, no passado para ser tido como intelectual era preciso ser um assimilado, isso fruto da educação colonial.  Vejamos: ‘‘Tamoda era aquele que está na Moda’’ (Uanhenga Xitu, 1984, p. 33).

Segundo o Diploma Legislativo nº 237 de 1931,

as condições para se tornar um assimilado era: Ter abandoando inteiramente os usos e costumes da raça negra; falar e escrever correctamente a língua portuguesa; adaptar a monogamia e exercer profissão, arte ou ofício compatível com a civilização europeia, ou ter rendimento que sejam suficientes para prover aos seus alimentos, compreendendo sustento, habitação e vestuário, para si e sua família (pág. 09-10).

Ao observarmos mais de perto, essa política impactou profundamente a capacidade das pessoas de desenvolverem perspectivas independentes. A conformidade era valorizada, e ser ‘Tamoda’, para usar a expressão da obra, significava estar alinhado com as tendências em voga, em vez de buscar compreender a complexidade e a diversidade das ideias presentes na sociedade.

Assim, a política de assimilação não apenas moldou o pensamento colectivo, mas também limitou a capacidade de questionar e explorar alternativas. Os ‘assimilados’ eram, em muitos aspectos, vítimas dessa mentalidade, conformando-se com padrões estabelecidos em vez de explorar novos horizontes intelectuais.

Portanto, essa dinâmica revela como a busca pela assimilação pode minar a originalidade e restringir a capacidade de compreender a realidade de maneira diversificada e profunda. Ela reflecte a importância de promover um ambiente intelectualmente diverso e estimulante, no qual a individualidade e a crítica construtiva possam florescer.

A lei promulgada em 1921 em Portugal (Estatuto do indígena) dividiu os povos da África entre indígenas e assimilados. Os assimilados podiam, por exemplo, adquirir propriedade e não eram obrigados pelas autoridades a trabalhar em obras públicas. Porém, tinham que prestar o serviço militar e trabalhar para o serviço público, apresentar formação escolar em português, comprovar a posse de bens e manter uma vida cristã.

No mesmo estatuto, no número 1 do seu artigo 1º, diz que

o fato de os nativos das províncias portuguesas da África continental se encontrarem ainda em determinado grau inferior de civilização implica a necessidade de se estabelecer um ordenamento jurídico adequado à possibilidade de efectivação de poderes e deveres por parte desses nativos.

Os estatutos e diplomas criados eram, na verdade, uma forma de romper abruptamente com a civilização ou forma de ser e estar dos africanos, especificamente os angolanos. Essas políticas coloniais eram controversas e frequentemente vistas como uma tentativa de assimilação forçada, que desconsiderava e subjugava as culturas e tradições locais, enquanto sobrevalorizava as normas europeias e suas formas de ser e estar. Essa imposição de critérios, como a necessidade de abandonar completamente os usos e costumes da raça negra, falar e escrever correctamente a língua portuguesa, adoptar a monogamia e exercer uma profissão ou ocupação compatível com a civilização europeia, foi parte de uma estratégia colonial que visava transformar profundamente a sociedade e a cultura locais. No entanto, essas políticas eram frequentemente percebidas como prejudiciais e coercivas, pois desvalorizavam a riqueza das culturas e tradições africanas, impondo padrões estrangeiros.

No âmbito da educação, Tamoda não era apenas um assimilado de acordo com a instrução colonial, mas também uma idealização do ensino angolano para angolanos, pois seus seguidores viam nele a alegria de aprender, em contraste com os professores oficiais. Embora as discussões começassem na escola e envolvessem os professores, os alunos preferiam esclarecer suas dúvidas com “Mestre” Tamoda, pois as discussões dos professores não estimulavam a reflexão dos jovens. Atentemos:

“Esqueceram-se que as suas discussões públicas quer religiosas quer académicas criavam na mentalidade dos jovens uma confusão. (…) Ventilavam alguns alunos que foram consultar o Mestre Tamoda, qual era a sua opinião em relação a competências dois professores (…)          (Uanhenga Xitu, 1984, p. 23).”

O excerto acima ilustra como “Mestre” Tamoda era visto como uma figura influente e persuasiva na vida dos jovens de sua comunidade, moldando suas opiniões e perspectivas de uma maneira que muitas vezes os levava a questionar as visões convencionais ou tradicionais apresentadas pelos professores.

No entanto, é importante salientar que, ao entrar no processo de assimilação, “Tamoda” regrediu porque a escola, na época, tornou-se um veículo de transmissão da ideologia que consistia em saber ler, escrever e contar à maneira dos portugueses, impedindo assim o desenvolvimento de uma massa crítica que poderia evoluir para uma oposição ao regime. Se falasse ou escrevesse a sua maneira era visto como desrespeito ou insulto a classe alta de Portugal. Vejamos:

– “Fora! Rua! Este tipo está a dizer babuzeiras, é uma ofensa, senhores, falar-se aqui em coisas disparatadas da noiva, um negro que aproveita o teatro para ofender a classe fina e distinta fundadora da Colónia e representativa de Portugal! Bolas, isso é o cúmulo” (Uanhenga Xitu, 1984, p.164).

Mas “Tamoda”, em jeito de ruptura recorre à mania de decorar dicionários e discursos para se sentir inserido na categoria daqueles considerados “assimilados” ou com algum grau de instrução, na medida em que procurava exibir-se em locais públicos, como festas ou lugares com grandes aglomerações. Atentemos:

“Rui conhecia bem o seu antigo instruendo. Mas pensava que lhe tivesse passado a mania de decorar os discursos e dicionários para exibir em festas e lugares de grande aglomeração” (Uanhenga Xitu, 1984, p. 30).

O excerto demostra a ideia de que “Tamoda” não se tornou ou não era um intelectual autêntico, mas sim alguém que usava o conhecimento de forma superficial para impressionar os outros em eventos sociais. Isso demonstra que, em vez de promover uma compreensão profunda e crítica, o sistema educacional da época incentivou práticas vazias de aprendizado, onde a ostentação de erudição, muitas vezes alcançada por meio da memorização, do abandono da identidade cultural e da educação forçada, era mais valorizada do que o verdadeiro entendimento. A passagem serve como um exemplo concreto desse fenómeno no contexto da obra literária.

Desta feita, cabe-nos agora discutir a “Ilusão da Sociedade Intelectual”, na qual exploraremos o conceito de assimilação de forma ressignificada, visando obter novas interpretações de um conceito antigo e, assim, enquadrar a obra em questão no nosso contexto.

A assimilação ressignificada implica enquadrar “Mestre” Tamoda de forma plural, quer dizer, como uma sociedade que reproduz de forma lúdica o que os intelectuais propagam. Sobre isso é necessário responder ao diálogo que aparece na obra. Vejamos:

“– B´amba kiebi? (o que estão a dizer?) – Perguntou um velho

– Exti (exi): Sabissi (dizem: sabe-se)

– Sabissi, Sabi? (o sabe-se, é chave?)

– Não, avó, é o português do Tamoda

– Kuambe tata, putu ia ubeka ué? (Vejam lá, este Tamoda, é dele sozinho?)”

(Uanhega Xitu, 1984, p. 27).

Em resposta à questão, não, não é, mas tornou-se parte da comunidade a partir do momento em que as crianças e jovens começaram a praticar. Pois na assimilação, os indivíduos ou grupos minoritários são submetidos à influência de uma sociedade majoritária, frequentemente através de indivíduos singulares que aparentemente conseguem influenciar as massas, exigindo a aceitação da dominação. Isso implica no abandono e na negação de sua própria natureza, resultando em despersonalização e, consequentemente, em sofrimento psíquico, muitas vezes com a concordância tácita. Portanto, a assimilação de “Tamoda” à comunidade ocorreu à medida que as crianças e jovens começaram a praticar seu “português”, mas diferentemente da assimilação forçada, esta foi uma assimilação tácita, amplamente aceita e legitimada pela sociedade.

Sendo assim, começamos por questionamos, o que realmente está na moda? Respondemos categoricamente, os intelectuais. Ora, basta olharmos e examinar a estrutura da nossa realidade social e pensar com Gustava Bueno (2012):

os intelectuais nos são apresentados como indivíduos que têm uma certa notoriedade – que pode chegar até ter um nome famoso – falam regularmente para um público anónimo e indiferenciado. Com que critério? Sem dúvida, com respeito às profissões estabelecidas na sociedade. O público-alvo dos intelectuais não é um público profissionalmente determinado – o intelectual, como tal, não fala com médicos ou advogados; Ele não fala com metalúrgicos, nem matemáticos, nem sapateiros. Não é que ele fale com pessoas que exactamente não deveriam ser nada disso, mas que ele fala com pessoas que podem ter algum desses cargos ou nenhum. Ele fala, para colocar em palavras que hoje soam muito fortes, mas que são as palavras do Iluminismo, ele fala com o “vulgar”, como dizia Feijóo.

Bueno distingue três formatos de intelectuais, são eles:

  • Formato-1, a classe dos intelectuais, baseada em qual tendência social ou ideológico cada indivíduo representa. Portanto, os intelectuais são considerados como fazendo parte de correntes ideológicas específicas desde o início, e essas correntes se opõem umas às outras dentro da classe dos intelectuais;
  • Formato-2, a classe dos intelectuais desempenhada pelo papel distinto na estrutura da sociedade em relação à parte que é considerada não intelectual. No Formato-2, a classe dos intelectuais não é definida em oposição a outra parte da mesma classe, mas em oposição à parte não intelectual do conjunto social;
  • Formato-3: aqui, os intelectuais são considerados como todos os indivíduos da espécie Homo sapiens. Nesse formato, cada indivíduo dessa espécie pode ser chamado distributivamente de intelectual. A classe dos intelectuais no Formato-3 é uma classe mais ampla, com um escopo antropológico ou psicológico, e não mais uma parte do organismo social no sentido histórico ou social. Ela não é uma “parte” do todo social, mas uma categoria que abrange toda a espécie humana.

Dentre os três formatos de intelectuais, a que se enquadra com a nossa abordagem é a do formato 2, pois nesse contexto, a classe de intelectuais pode abranger dois grupos muito diferentes de actividades: os tecnólogos (engenheiros, médicos, etc.) e os ideólogos (escritores/ artistas, políticos, etc.).

Dentro do formato, a distinção entre esses grupos torna-se operativa em situações específicas, como em uma sociedade totalitária uniforme. Em uma sociedade totalitária desse tipo, uma classe de “trabalhadores intelectuais” pode ser estabelecida, incluindo cientistas, tecnólogos, artistas e ideólogos, como funcionários ou burocratas do Estado. Essa classe recebe um certo status unificado com base em habilidades específicas, como habilidades linguísticas, científicas, administrativas e comportamentais.

“A ilusão da sociedade intelectual” que estamos a construir, definimos segundo o ‘‘Tamoda’’, segundo o qual é ‘‘(…) exogmastismo deambulante… (…) Quer dizer mania das pessoas que ficam a mostrar nos meios das pessoas que passa-e-voltam, para mostrar que eles sabem mais’’ (Uanhenga Xitu, 1984, p. 23 e 24).

Se a sociedade intelectual é um exercício incessante de exibicionismo de conhecimento, onde as pessoas frequentemente competem para mostrar que sabem mais do que os outros, como afirmado por “Tamoda”, então a primeira classe de intelectuais impostores em nossa sociedade, sem dúvida, engloba os políticos, politólogos e juristas, categorizados no formato-2, segundo a classificação de Bueno. Estes indivíduos muitas vezes recebem uma formação partidária e se alinham com uma ideologia específica. Embora tenham escolhido as ciências sociais ou humanas como seu campo de estudo, nem sempre se dedicam a examinar a estrutura da realidade ou a resolver problemas genuínos do povo.

Na maioria das vezes, eles transformam questões partidárias, que têm pouca relevância para a vida das pessoas comuns, em debates acalorados entre os ideólogos. Um exemplo disso é observado frequentemente na mídia, onde comentaristas políticos se prendem a discursos partidários, em vez de se concentrarem nas preocupações reais da população. Sobre isso Maestro (2017) argumenta,

Embora estes últimos sempre têm outra preferência mais efetiva: a crítica ideológica, digna sob o rótulo mítico de compromisso. Isso acontece com frequência: os intelectuais , em vez de se comprometerem com a verdade e a crítica, são simples colaboradores do poder.

 

Isso levanta questões sobre a verdadeira função dos intelectuais na sociedade, e se eles estão cumprindo seu papel de esclarecer e resolver os problemas que afectam as pessoas em seu dia a dia, ou se estão mais preocupados em manter agendas políticas e ideológicas.

A literatura, enquanto forma de arte, quando passa pelo processo de transdução literária, revela o conhecimento e as ideias contidas na obra estudada. Ainda dentro desse processo de identificação da ilusão da sociedade intelectual, a segunda classe inclui os professores que representam tanto o ensino geral quanto as universidades, em sua maioria, cuja formação, em vez de libertar, oprime e muitas vezes ensina a ideia errónea de que a ciência é apenas um conjunto de palavras do dicionário, em vez de representar a realidade.

Quantos professores não se sentem honrados e glorificados quando seus alunos reproduzem exactamente o que o professor pensa ou algum autor forçadamente escolhido pelo professor? Atentemos: “Ele era meu discípulo no sungui, onde, com a cacofonia carregada de suma inteligência, tinha decorado muitas das palavras em português do meu dicionário” (Uanhenga Xitu, 1984, p. 40).

O excerto acima ilustra a ideia discutida no texto anterior. O excerto demonstra que o aluno mencionado era muito habilidoso em memorizar palavras em português do dicionário, mas essa habilidade se manifestava de forma mecânica e vazia, ou seja, o aluno descrito no excerto estava simplesmente repetindo as palavras e frases do dicionário sem realmente entender ou aplicar o significado delas.

Isso se relaciona com a discussão anterior sobre professores que ensinam de forma opressiva, enfatizando a memorização de conceitos em detrimento da compreensão profunda e crítica. O trecho sugere que, em vez de promover a verdadeira compreensão e reflexão, alguns professores podem incentivar os alunos a decorar informações de forma superficial, o que não contribui para o desenvolvimento do pensamento crítico e da capacidade de aplicar o conhecimento à realidade.

Portanto, é importante destacar um ensino que vai além da memorização e que promove a compreensão profunda e significativa do conteúdo, o que é relevante para a discussão sobre a ilusão da sociedade intelectual e a influência dos professores nesse contexto, porque do contrário “Tamoda” representa a ignorância e contradição, alguém que alega saber tudo. Vejamos: “Mas, ó Simão, você também já conhece as leis, você estudou como eu com os advogados?” (Uanhenga Xitu, 1984, p. 58).

Esse excerto revela a atitude de alguns ‘mestres’ e intelectuais que se recusam a aceitar correcção, mesmo quando estão errados, devido ao orgulho. Isso destaca um comportamento que é prejudicial não apenas para o próprio aprendizado, mas também para a sociedade em geral, pois impede o crescimento e a evolução do conhecimento.

“Tamoda”, pelo excesso de confiança, por querer ser sempre o centro das atenções, pode ser diagnosticado com o transtorno de personalidade histriónica, com base no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, 5ª Edição  (DSM-5, 2014), publicado pela Associação Americana de Psiquiatria, segundo os critérios diagnósticos, consiste em “um padrão difuso de emocionalidade e busca de atenção em excesso que surge no início da vida adulta e está presente em vários contextos” (p. 667). O qual pode ser caracterizado com os exemplos seguir, tanto do diagnosticado em paralelo com alguns trechos da obra.

  • a) Desconforto em situações em que não é o centro das atenções;

– “Fui desclassificado e intermitentemente desfeituado e entulhado de ofensas na banheira que a minha cachimónia não pode aguentar, mesmo com a minha polimatia” (Uanhega Xitu, 1984, p. 159).

  • b) Exibe mudanças rápidas e expressão superficial das emoções;

– “(…) Continue, senhor Tamoda, que está a ir muito bem. (Palmas: apoiado, apoiadas vindas da parte da raia miúda). Tamoda que até aí ficara mudo, ganhou ânimo, olhou para os presentes e os noivos e continuou:” (Uanhenga Xitu, 1984, p.165).

  • c) Usa reiteradamente a aparência física para atrair a atenção para si;

– “E retomando a palavra, de improviso, endireitou a gravata, lungulando (esticando) o pescoço e de uma forma característica, só dele, Tamoda:” (Uanhenga Xitu, 1984, p.165).

  • d) Tem um estilo de discurso que é excessivamente impressionista e carente de detalhes.

–“Nubento e Nubenta:

Altas dignidades e Vossas Senhorias convidados neste sumptuosíssimo enlace matrimonial, faço votos que a muchacharia agora enlaçada não devem ser prochonetes nem andarem na panilhagem dessolinizando o que aqui fica com toda a nossa erudição abundante” (Uanhenga Xitu, 1984, p.163).

Mas aqui não se trata de Tamoda, mas da nossa sociedade, na qual delimitamos os intelectuais no formato-2. Para chegar a essa conclusão, é importante considerar estudos de psicólogos, embora não estejamos plenamente satisfeitos, pois existe o fenómeno, mas faltam estudos concretos na nossa realidade. A literatura nos ajuda a compreender os dramas humanos, e um dos dramas vivenciados actualmente pelos nossos artistas é a ânsia de destacar-se com a sua arte. Portanto, a terceira classe inclui os nossos artistas, muitos dos quais vêem o talento ser substituído pelo exibicionismo barato ou recorrem a uma pseudo arte, como o plágio. Esses casos sempre existiram na literatura angolana, mas agora ganham mais visibilidade, principalmente entre os jovens que falsificam as suas obras em busca de vantagens económicas, visibilidade, fama ou prestígio.

Para o filósofo grego Heráclito de Éfeso (aproximadamente 535-475 a.C.), não se pode percorrer duas vezes o mesmo rio e não se pode tocar duas vezes uma substância mortal no mesmo estado. Sendo tudo mutável, a permanência é uma ilusão.

Nesse sentido, apenas o fluxo do movimento é real; entretanto, a permanência da percepção inicial a respeito da identidade das coisas iguais a si mesmo constitui uma ilusão. Essa visão enriquecedora é essencial para a compreensão do estado da nossa arte, já que reconhecemos a inadequação de tentar adaptar e perceber um mesmo objecto de maneira hermética. Portanto, dois artistas podem abordar o mesmo tema, mas não da mesma forma.

Tamoda em nosso contexto apresenta-se como um impostor, de certa forma, um actor, um hipócrita, um anti-intelectual, na medida em que exige de nós uma forma de raciocínio encontra vários referentes reias em nossa sociedade. Portanto, ‘‘Tamoda’’ é subversivo na medida que se lermos os excertos a seguir na voz do narrador. Atentemos: ‘‘Tamoda não é um mestre para ler papéis quando se dirige ao público e, mais, quando não são por si escritos. Prefere as suas próprias palavras (…)” ((Uanhenga Xitu, 1984, p. 162).

Agora, em representação dos intelectuais ‘‘Tamoda’’ é dentro relação ad hominem um náufrago, ou seja, só aceita principalmente aquilo que ele somente diz ou uma autoridade que compartilha da mesma opinião, atacando o homem e não a ideia com o pretexto de não querer ser repetidor de Aristóteles ou Cheik Anta Diop. Mas nisso não há nenhum mérito. Porque mesmo que você diga algo novo que é falso não há nenhuma originalidade nisso.

A “ilusão da sociedade intelectual” pode ser definida como a ideia errónea ou a aparência superficial de intelectualismo, erudição ou conhecimento em uma sociedade ou grupo de pessoas. Essa ilusão ocorre quando indivíduos ou grupos buscam exibir conhecimento ou erudição de maneira ostensiva, muitas vezes superficial, com o objectivo de impressionar os outros, em vez de buscar uma compreensão profunda e genuína do conhecimento.

“Mestre Tamoda”, como personagem na obra, representa uma figura complexa que pode ser interpretada de várias maneiras. Sua busca por conhecimento e sua maneira de exibi-lo através da memorização de dicionários e discursos revelam uma busca por status intelectual que, na verdade, mascara uma compreensão superficial e vazia do conhecimento.

Através da personagem de Tamoda, a obra permitiu-nos explorar a ideia da “ilusão da sociedade intelectual”, destacando como as pessoas podem se esforçar para parecerem intelectuais sem realmente entenderem profundamente o que estão dizendo. Isso também é reflexo de um contexto colonial em que a educação muitas vezes enfatizava a assimilação dos padrões culturais do colonizador.

“Mestre” Tamoda serve como um ponto de reflexão sobre a busca pelo conhecimento e pelo status intelectual, destacando a diferença entre uma verdadeira compreensão e a ilusão de intelectualismo. Sua personagem nos convida a questionar o valor de parecer intelectual em comparação com a busca por um entendimento genuíno do mundo ao nosso redor.

Os bons intelectuais são poucos; a maioria é péssima e revela o que a democracia transformou em demagogia. O louco sempre precisa de apoio social, ou seja, da cumplicidade da sociedade. Portanto, a sociedade só aceita um indivíduo com problemas mentais que possa ser controlado e dominado.

O leitor de “Mestre Tamoda” deve ter a noção de que está experimentando uma patologia lúdica que se sobrepõe à sociedade. Ou seja, “Tamoda”, mais do que ser apenas um personagem engraçado, representa os elementos característicos da nossa sociedade.

Da mesma forma que “Tamoda” dependia das actividades lúdicas dos seus seguidores para conduzir os seus discursos e exibir a sua falsa intelectualidade, na nossa sociedade, por exemplo, os falsos profetas ou pastores também dependem de pessoas com pouca fé para enganar; os políticos ou governantes necessitam que as massas permaneçam politicamente ignorantes para perpetuar a demagogia e garantir os votos; os coaches precisam de pessoas emocionalmente vulneráveis para disseminar discursos placebos; os professores anacrónicos instruem formosamente que seus alunos decorem as matérias, entre outros exemplos.

Se, por um lado, admitimos que, em primeira instância, a finalidade da Literatura é o prazer estético (…). E o objecto de ensino da Literatura será, portanto, educar o gosto e ampliar a capacidade de compreender o mundo. É importante de nossa parte acrescentar que a Crítica Literária deve fazer a purgação, mediar os gostos, quer dizer, ensinar a amar o que deve ser amado e odiar o que deve ser odiado. Porque, para uma pessoa sem educação literária, ‘‘Os Discursos do ‘Mestre’ Tamoda” será apenas um livro muito engraçado com um maluco como personagem principal. Mas que o diga ele mesmo: “− Eles leram mas estão equivocados num ângulo agudo. São vanglórios. Vocês pensam que todo o olho aberto vê? Não me enfadam…” (Uanhenga Xitu, 1984, p. 23).

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Livros:

Lakatos, E. M. (1990). Sociologia Geral I (6a ed. rev. e ampl.). Atlas.

Sousa, Lúcio. (2008). ANTROPOLOGIA CULTURAL. Universidade Aberta. Palácio Ceia, Rua da Escola Politécnica, 147 1269-001 Lisboa – Portugal www.univ-ab.pt e-mail: cvendas@univ-ab.pt.  ISBN: 978-972-674-551-8

XITU, Uanhenga (1984). Os Discursos do ‘Mestre’ Tamoda, edição realizada para o INALD pela Editora Ulisses, Lisboa.

Maestro, Jesús G. (2017). Crítica de la Razón Literaria, Editorial Academia del Hispanismo.

Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (2014) [recurso eletrônico]: DSM-5, American Psychiatric Association.

Documentos Governamentais:

Regulamento do Recenseamento e Cobrança do Imposto Indígena, aprovado por Diploma Legislativo nº 237, de 26 de Maio de 1931. Luanda, 1931.

Estatuto dos Indígenas Portugueses das Províncias da Guiné, Angola e Moçambique, Decreto-Lei nº 39.668, de 20 de Maio de 1964.

Artigos e Outros Recursos Online:

Bueno, Gustavo (2012). Intelectuais: os novos impostores. [Disponível em: Gustavo Bueno, Os Intelectuais: os Novos Impostores, As Catoblepas 130:2, 2012 (nodulo.org)].

Material de Apoio, traduzido e adaptado com acréscimos e supressões – por Hélder Simbad, teoricamente orientado pela <<Didáctica da Ponte>>, 2021.

 

 

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