1. DA FUNDAÇÃO E DO CONTEXTO EM QUE SE VIVIA
O Litteragris foi fundado no dia 17 de Outubro de 2015, no salão nobre da União dos Escritores Angolanos. Neste dia, apresentou-se o livro de Poesia Em cada Sílaba, uma Cicatriz, de José Mussungo Moko, membro co-fundador do Movimento, e a primeira colectânea do grupo, intitulada Agris Magazine.
O Movimento Litteragris é uma organização artístico-académica fundada com o objectivo exclusivo de dotar o jovem escritor de conhecimentos de âmbito literário e filosófico, bem como de técnicas de aperfeiçoamento de criação literária baseadas na poética de grupo.
2. DO SURGIMENTO À DESIGNAÇÃO
O Litteragris nasce no ceio do Movimento Literário Vianense, organização fundada em 2010. A partir de 2012, um conjunto de membros dessa organização literária (Azwe Vandúnem, Febo Vãorélio, Gabriel Rosa, Waxyakulo Francisco, Cíntia Gonçalves, Mabanza Kambaca e Hélder Simbad) começa a se demarcar dos restantes membros, apelidando-se de “agricultores de palavras”, por sua filosofia de escrita. Reinavam, nesta fase, alguns desentendimentos de ordem política e filosófica. A organização (Movimento Literário Vianense), por ter na sua designação a ideia de um município (Viana), via-se na obrigação de se envolver em todas as actividades de massa realizadas pela Administração local, sobretudo em actos políticos. Outrossim, pelo impacto que a organização passou a causar, muito por força do desempenho dos “agricultores” em eventos realizados na “cidade”, pessoas de outras circunscrições passaram a integrar a organização e o nome começou a constituir um problema de representatividade.
Em 2015, os desentendimentos agravaram-se. A maior parte dos membros decidiram afastar-se, entre eles, Mabanza Kambaca, o primeiro vice-coordenador do Movimento Litteragris, cujo desmembramento obrigou a que Hélder Simbad, o primeiro Coordenador Geral do Movimento, que até então permanecia no Movimento Literário Vianense, seguisse o mesmo caminho, para com os seus colegas e os que haviam também se afastado do então Movimento dos Poetas e Trovadores Frustrados (Ernesto Daniel, Luther Kikulo), um grupo que nasceu das decadências da Brigada Jovem de Literatura e que actualmente lidera esta mesma Brigada, fundarem o Movimento Litteragris.
Em relação a designação do Movimento, a pretensão inicial foi Movimento Surrealista Angolano, uma vez que o objectivo inicial era a angolanização do surrealismo. Entretanto, após uma reunião entre o escritor e cientista social Eduardo Bonavena e Hélder Simbad, que apresentou como proposta as designações “Movimento Literário Agriscultores, Movimento Literário Agricultores, e Movimento Litteragris”, prevaleceria a designação Litteragris, aconselhada por Eduardo Bonavena, que persuadia o movimento a “não destruir o que já estava feito”, advertência seguida em parte, pois, o nosso propósito sempre foi fazer diferente, não ser um movimento de continuidade, e sim de ruptura, como todos os Movimentos Literários da Historiografia da Literatura Universal. Além disso, líamos autores que nos exortavam a fazer ruptura com o passado. Em sua Teoria da Literatura, Aguiar e Silva afirma que uma geração se afirma, geralmente, se opondo a outra; o angolano Jorge Macedo, autor importante para a construção intelectual do Litteragris, afirma em sua Poéticas na Literatura Angolana, que o modernismo de uma época não tarda ser considerado arcaísmo no começo de uma nova tendência. Baudelaire, Huysmans e Paul Valéry fazem parte dos autores que moldaram a nossa filosofia de vidaenquanto movimento literário com frase como estas baixo descritas:
Acho inútil e fastidioso representar aquilo que é, porque nada daquilo que existe me satisfaz. A natureza é feita, e prefiro os monstros da minha fantasia à trivialidade concreta. (Baudelaire, op. cit. pg. 803-804)
O que me entedia na França é que todo mundo se parece com Voltaire (Baudelaire, Escritos íntimos, op. cit. pg. 535)[1]
Não recrimino o naturalismo nem por seus termos de barcaça, nem por seu vocabulário de latrinas e de hospícios… (…) Querer confinar-se aos lavadouros da carne, rejeitar o supra-sensível, negar o sonho, nem mesmo compreender que a curiosidade da arte começa lá onde os sentidos deixam de servir! (Huysmans, J. K, Lá-bas, Plon, 1961, pg.5)[2]
O que pode ser mais original que se opor à maioria das tendências, dos gostos e das produções existentes ou possíveis (…) e repudiar quase toda a riqueza do mundo para querer e produzir outra coisa? (Valéry, 1937) [3]
2.1. DA ETIMOLOGIA A UM CONCEITO DE LITERATURA
O Litteragris deriva etimologicamente do latim Littӗra, ae (maneira de escrever) e Agris (campo). “Litteragris” por conta de “Agricultores de Palavras”, adoptado ainda nas vestes de Movimento Literário Vianense, como referimos. Daí, importado do malogrado professor de Literatura e Sintaxe e Semântica do Português, António Costa (Costinha), afecto à Universidade Católica de Angola, o conceito de “Literatura como a arte da palavra transfigurada”. Este conceito foi basilar para nós e preparou-nos para aquilo que somos hoje.
3. DA CONSTRUÇÃO DA AGRISTÉTICA
A Agristética é a designação encontrada para cunhar a poética do Litteragris, o conjunto de princípios estéticos que orientam colectivamente este movimento. Ela começa no conceito de Literatura que adoptou e é melhor explicada nos manifestos. Hoje, deve designar o que temos vindo a escrever em termos de prosa e poesia, desde que dentro do conceito inicial de Literatura como “arte da palavra transfigurada” e desde que obedeça o que está disposto nos manifestos. Com efeito, assumimos apenas a poesia surrealista, filosófica, experimentalista e concretista; bem como toda a prosa insólita escrita pelos membros efectivos do Movimento.
A Agristética começa com a poesia. Nasceu, em 2015, das particularidades que cada poeta apresentava. A Agristética na poesia é a soma do surrealismo que dominava a poesia de autores como Gabriel Rosa, Febo Vãorélio e outros, mais a colocação insólita dos títulos no final do poema de Mabanza Kamabaca, o experimentalismo introduzido por Hélder Simbad, que a teorizou numa primeira fase, onde dominava o surrealismo. Do surrealismo nasce a estética da intuição, baseada no crítico italiano Benedito Croce como se pode ler no manifesto de poesia. Este princípio foi importante para assumir para o grupo a ideia arbitrária de Mabanza Kambaca de colocar o título no final do poema. Esta ideia casava na perfeição com o ideal surrealista de escrita automática. Ouvimos as vozes de Breton e Mallarmé:
Certa noite então, antes de adormecer, percebi, nitidamente articulada, a ponto de ser impossível mudar-lhe uma palavra (…), frase que me parecia insistente, frase, se posso ousar, que batia na vidraça. (Breton, primeiro Manifesto do Surrealismo, 1924)
Acabo de passar um ano assustador: meu Pensamento se pensou. (Mallarmé, em carta a Cazalis, de 1867, cf. várias fontes)
Daí o princípio agristético de que se a escrita é automática e o título é o último elemento a ser pensado, então este ver ser o último elemento na estrutura do texto. E dentro deste automatismo literário, no primeiro livro colectivo desenvolvemos o projecto “escrita colectiva do eu”. Sentávamos e automaticamente cada um dava uma estrofe, dando sequência a ideia que brotava da intuição de outrem.
Da poética experimental nascem as amálgamas que predominam numa primeira fase a poesia de Gabriel Rosa, que aprendeu com Mia Couto e Hélder Simbad, com o surrealista Herberto Hélder. Em seguida, as desfixações, conceito de Mabanza Kambaca, ou desmembramento, conceito de Alfredo Vinela Kalala. Nesta mesma fase, nascia no nosso ceio a poesia concreta, hoje muito cultivada por Agostinho Gonçalves, Ac. Khamba, Khilson Kalunga e outros membros.
Como forma de estar e de ser, a Agristética designa um estado de irreverência, de não sujeição em relação às ditaduras literárias, às falsas cordialidades que imperam na crítica literária.
4. DAS RAZÕES PARA QUE O LITTERAGRIS SEJA CONSIDERADO COMO UM MOVIMENTO IN STRICTU SENSU
O Litteragris é um movimento literário in strictu sensu, como poucos o são em Angola, porque obedece ao conceito de Movimento Literário, uma organização que defende os mesmos princípios estéticos e cosmovisão. a) Definimos uma poética comum com certo grau de variabilidade, produzindo manifestos; b) assumimos uma filosofia de estar, ser e ver. Intelectualmente, c) ancoramos as nossas abordagens à Filosofia. Litteragris é o primeiro movimento juvenil de Angola a definir uma poética comum, a Agristética, substanciada na fusão de escolas literárias angolanas e internacionais, com realce para Ohandanji; Kiximbula; Surrealismo; Simbolismo e o Materialismo Filosófico como Teoria da Literatura, desenvolvido por Jesús Maestro.
5. DAS OBRAS PUBLICADAS
1Em Cada Sílaba, uma Cicatriz (2015), de José Mussungo Moko, vem da ressaca do Movimento Literário Vianense, mas traz já alguns conceitos do Litteragris; 2Agris Magazine (2015), o primeiro livro colectivo, em que constam os poemas colectivos da designada “construção colectiva do Eu”; 3Tunda Vala-Agris Magazine (2016), considerada a colectânea que abriu as portas, pelo seu grau de novidade. Motivou um artigo escrito pelo conceituado jornalista e escritor Isaquiel Cori, intitulado “Algo Novo da Literatura Angolana”, publicado no dia 15 de Dezembro de 2016 no Jornal de Angola; 4Raízes Cantam, de Job Sipitali; 5Enviesada Rosa (2017), 6Insurreição dos Signos (2018-2021), 7A Palanca dos Chifres Dourados (2020) e Tradução Literária: Análise Contrastiva de Coração Telúrico (2018), de Hélder Simbad, Assimetrias de Mulher (2018), de Marquita Cinquenta, Mulher Infinita (2020) e A Caricatura do Abandono (2023), de Lourenço Mussango, Perdido Amor (2022) e Tela Fatal (2023), de Pedro Maiamona, Pinturas dos Ecos (2019), de Ema Nzadi, Crónicas de um Professor A Normal (?), de Edy Lobo, Dedos, mistérios e voos (2023), de Ernesto Daniel, Os Nomes Gentílicos de Angola (2022), de Januário Kutema, O país dramaticamente estável (2021), de Gabriel Rosa.
6. DOS PRÉMIOS E DISTINÇÕES
Somos o Movimento mais premiado desta geração que vai consolidando os seus processos; o segundo mais premiado do pós-Independência, após a Brigada Jovem de Literatura, que detém um recorde de prémios muito difícil de ser batido pela extensão da organização e longevidade.
7. DA PRESENÇA EM JÚRIS
8. DO CÍRCULO DE ESTUDOS LITERÁRIOS E LINGUÍSTICOS LITTERAGRIS E O FUTURO
Por via das pesquisas que desenvolvemos no campo da Literatura e da Linguística, temos um centro de estudos literários e linguísticos o qual designamos por Círculo de Estudos Literários e Linguísticos Litteragris (CE3L). O nosso trabalho pode ser encontrado através dos seguintes meios: Jornal Cultura Angolana; Revista Palavra & Arte; Palavra Comum (Galiza); site poesia verso e prosa (Brasil), Jornal O País, dissertações produzidas em Angola (por João Fernando André) e no Brasil (?).
As suas actividades consistem, fundamentalmente, no estudo dos fenómenos literários, na promoção das artes, ciências, formação profissional em Línguas Nacionais e Literatura, tradução e educação social. Desde a fundação, a nossa instituição tem mantido parcerias com importantes instituições angolanas (Memorial Dr. António Agostinho Neto, União dos Escritores Angolanos, Centro de Estudos Africanos da Universidade Católica de Angola, Associação dos Estudantes da Faculdade de Letras, Escola Superior Pedagógica do Bengo, Centro Cultural Agostinho Neto).
A nossa crítica deve ser vista em duas perspectivas: uma doutrinária e outra académica. Na vertente doutrinária, a nossa crítica visa reforçar as rupturas que introduzimos com a escrita. Em virtude disso, escrevemos textos como Os Troncos onde os Kandegues não se querem magoelar, publicado no site Palavra & Arte, Crítica da angolanidade Literária, publicado no Jornal Cultura (ambos assinados por Hélder Simbad) e Falas, Farfalhas E Falhas Em «Doutrinárias Lâminas Doutrinárias» De J.A.S. LopitoFeijóoK.(de Ac. Khamba), publicado na primeira edição na Mayombe – Revista Angolana de Crítica Literária. Todos esses textos tiveram reacções, algumas das quais extraliterárias. Luís Kandjimbo, por exemplo, respondeu de forma contundente ao texto de Hélder Simbad no qual foi visado. O Materialismo Filosófico como Teoria da Literatura (2017), desenvolvido pelo espanhol Jesús Maestro; Poéticas da Literatura Angolana (1989), escrito pelo angolano Jorge Macedo e a Teoria da Literatura (2007) de Aguiar e Silva, português, entre outros livros de filosofia analítica da linguagem e Teoria da Literatura foram fundamentais para a construção da nossa identidade intelectual.
De acordo com Mabanza Kambaca, numa entrevista concedida a um estudante de Mestrado que escrevia sobre Métodos nos estudos literários e a respeito do Litteragris, o Litteragris utiliza, de forma ininterrupta, o método materialista filosófico como base dos seus estudos dos fenómenos literários, da sua crítica literária, bem como para os seus estudos em Teoria da Literatura; tal método parte de uma confrontação de ideias contrapostas para que se chegue a uma conclusão sobre o que considerar válido nos marcos da ciência e da Filosofia.
O Litteragris enquanto Movimento não assumiu uma personalidade jurídica até aqui. Esta responsabilidade recairá sobre o Círculo de Estudos Literários e Linguísticos Litteragris (CE3L), que se vai organizar como uma Associação de Investigação Científica no domínio das letras, cultura, filosofia e educação voltada às letras e terá a responsabilidade de organizar cientificamente o pensamento do Litteragris. Passaremos a realizar diversas conferências. No âmbito da produção científica, para além das monografias e dissertações, produzidas com cunho doutrinário, à espera de publicação, contamos com duas obras técnicas.
9. DOS EVENTOS ORGANIZADOS PELO CÍRCULO DE ESTUDOS LITERÁRIOS
De 12 de Outubro a 21 de Dezembro de 2019, aos sábados, das 13h00 às 17h00, na União dos Escritores Angolanos (UEA), a segunda edição do curso intensivo de kimbundu. O curso foi ministrado por Miguel Lubwatu, mestrando em Literaturas em Línguas Africanas e licenciado em Línguas e Literaturas em Línguas Africanas pela Faculdade de Letras da Universidade Agostinho Neto (…).
A União dos Escritores Angolanos (UEA) e o Círculo de Estudos Literários e Linguísticos Litteragris promoveram um curso intensivo de kimbundu, de 3 de Novembro de 2018 a 2 de Fevereiro de 2019, em Luanda (…).
De 2 a 30 de Junho de 2018, um curso intensivo de Teoria da Literatura na UEA.
Em parceria com a União dos Escritores Angolanos (UEA), promove de 5 de Agosto a 16 de Dezembro de 2017, sessões formativas nas disciplinas de Língua Portuguesa e de literatura angolana (…).
Em parceria com a União dos Escritores Angolanos (UEA), realiza no dia 8 de Dezembro, em Luanda, o Primeiro Simpósio de Crítica Literária, União dos Escritores Angolanos (…).
Colóquio “Pepetela de Asas Abertas”, União dos Escritores Angolanos, 12 /08/2023 (…).
O Movimento Litteragris realizou Sábado, (dia 13), na província do Zaire, um colóquio sobre “O Reino do Kongo”, visando enriquecer os conhecimentos dos estudantes e pesquisadores. 2019 (…).
10. DO IMPACTO DO LITTERAGRIS NA NOVA GERAÇÃO
Deve-se essencialmente ao Litteragris a ressurreição do debate literário em Angola, fora das instituições de ensino. Deve-se igualmente ao Litteragris a mudança do olhar dos mais velhos às gerações mais jovens. Com as formações que ministrou, sobretudo no domínio da Teoria da Literatura e da Crítica Literária, entre as principais razões de haver, hoje, alguma crítica literária juvenil.
(…)