10Abr

1- É indubitável que ninguém parte do grau zero da escrita; que a posteridade está reservada para todos aqueles autores, que no seu tempo, a seu tempo, revolucionam a arte; e que o corpus literário não é uma estrutura compacta ou impenetrável, e sim um jogo eterno, no decorrer do qual, aqueles que não souberem jogar – acabam sendo substituídos. Por esta razão, não podemos negar o novo; que cada geração preencha o seu tempo com os seus manifestos, deixando qualquer coisa que revolucione o sistema semiótico literário.

Nesta ordem de ideias, vimos apresentar, mais do que um simples manifesto – os princípios estéticos que norteiam as nossas actividades, enquanto movimento literário – respeitando e aceitando as poéticas vigentes.

Entendemos que um Movimento Literário deve-se definir como uma associação formada por autores, mais ou menos da mesma época que, compartilhando analogamente o mesmo conceito de humanidade e de arte, estabelecem uma ideo-estética comum. À luz desse conceito, e reconhecendo que um Movimento move-se em torno de um MANIFESTO, arriscamo-nos a dizer, categoricamente, que na magma Instituição Literatura Angolana reconhecemos apenas a existência de três ou quatro Movimentos Literários, in strictu sensu: O Movimento dos Novos Intelectuais de Angola (MNIA), o Ohandanji, o Kiximbula e o Movimento Litteragris.

Num primeiro plano, a arte literária é, na nossa concepção, um fenómeno espontâneo, na medida em que nada é planeado, sucedendo todos os eventos de forma natural e, no processo de criação literária, o sentimento afigura-se-nos através da intuição. A intuição é o livre exercício da fantasia, «forma primária do conhecimento» – na Estética de Croce. A intuição é a soma das experiências despejadas inconscientemente, sobre o papel: não antecipamos metáforas no momento da criação, elas surgem naturalmente.

Num segundo plano, após uma profunda leitura em torno do já escrito, caso haja efusão lírica, faz-se imprescindível melhorar aqueles aspectos que a intuição não soube controlar; tendo em conta, na devida medida, a linguagem que é inerente à arte literária. E lembrar que não é o verbo difícil que faz a poesia fluir.

A arte poética é mais um fenómeno irracional do que racional. Mesmo quando o poeta é movido por um impulso confessional, a intuição faz-se sempre presente. Em contrapartida, no acto de criação, o poeta não se pode abdicar totalmente da razão. As regras existem suspensas no subconsciente. Em vista disso, podemos afirmar que, no processo de criação, se assiste a uma magistral combinação entre o inconsciente e o consciente.

Há os que privilegiam o inconsciente, e produzem posteridades textuais (estes são os génios); há, todavia, aqueles que privilegiam a totalidade do consciente (são, apenas, homens inteligentes, procurando, de alguma forma, eternizar-se).

Que fique bem claro que não negamos a participação, ainda que ínfima, do papel do consciente no processo de criação. E, como amostra dessa mágica combinação, aduzimos-vos os seguintes metatextos:

quebrada pela sublimação dèntrega
alucinada na procura extasiada da morte
na redondíssima e apaziguadora matéria do sonho

«Cíntya Eliane»

Hipnose nocturna
intuitiva marcha do belo na capela da razão

«Ernesto Daniel»

     A historiografia literária angolana revela-nos que três correntes literárias impregnaram-se como que raiz na Literatura Angolana. O romantismo, cultivado pelos poetas novecentistas, tais como: José Maia da Silva Ferreira e Cordeiro da Mata; o neo-realismo, cultivado por poetas panfletários, a saber: Viriato da Cruz, Agostinho Neto, António Jacinto, Alexandre Dáskalos; o simbolismo, iniciado em meados da década de 60 por poetas como Rui Duarte de Carvalho, David Mestre, Jorge Macedo e seus símiles, adoptado como corrente primeira pelos poetas do pós-independência, como: José Luís Mendonça, Eduardo Bonavena, João Maiamona, João Tala, Lopito Feijó, entre outros. Desta dinâmica natural de renovação e restruturação do sistema literário, respeitando e reconhecendo potenciais valores em cada poeta destas gerações, saltando iconoclasticamente os muros da timidez, uma vez que desde a década de 90 não se fala de alterações significativas na Literatura Angolana, propomos uma poética suis generis (?).

     A nossa poética insere-se num contexto de «pura vanguarda» (?), pese, embora receba, como que soluto no solvente, influências do surrealismo e de outras correntes literárias. Assumpção vanguardista espelhada nos seguintes textos:

Sobre uma jornada traçada
(re)inventámos us kamínhus

«Hélder Simbad»

Vejo ainda uma parábola
numa metáfora
O cágado já não representa sabedoria

«Hélder Kalewa»

Um olhar estrábico
Sobre o passado que se pensou eterno

«Luther Kikulo»

     2- A linguagem poética é, indubitavelmente, uma forma de comunicação ultra-humana, em que o poeta é, superiormente, administrado por Ish (voz interior), no seu macro e espontâneo exercício de criação. Para a maioria dos linguistas, «poesia» deriva do Grego, Poesis, que significa criar. Criar no sentido de imaginar. Uma outra minoria, dentre estes, os Agriscultores, arranca a sua génese no fenício Phohe (voz, linguagem) e Ish (ser supremo), o que «lhe confere a expressão do carácter do divino».

     A poesia é uma sacro-locução e A. S. Greimas vai concordar connosco ao estabelecer uma relação de simetria entre o discurso poético e o bíblico, chegando mesmo a conclusão de que ambos são discursos sagrados, respondendo, assim, o «axioma» de que a poesia deriva, espiritualmente, de «phohe» «e Ish» – linguagem de um ser supremo.

     3- Contra todas as formas de aprisionamento (poesia de forma fixa, rima e outras categorias nefastas), assumimos o verso livre: posto em prática, pela primeira vez, em 1855, numa obra publicada pelo poeta norte-americano Walt Whitman, a qual intitula Leaves of Grass, «Folhas de Erva», em português. Porém ganharia maior protagonismo e fundamentação teórica com Gustave Kahn que, com Jules Laforgue, Emeile Verhaeren e tantos outros – constituíram o Simbolismo Francês.

     Pese, embora exiba o simbolismo gráfico das linhas formadoras dos versos e da sua reunião em estrofes, o verso livre não se submete a qualquer esquema, regendo-se automaticamente pelo princípio da heterometria. De acordo com o que afirma Gustave Kahn, o principal teorizador do versilibrismo, «a estrofe não deve ter um desenho pré-estabelecido, mas condicionada pelo pensamento ou pelo sentimento». Apoiando-nos nesta teoria, dogmatizamos que, na nossa poesia, cada estrofe corresponde a uma ideia, como se de um parágrafo se tratasse, salvo esporádicas excepções estilísticas, de um ou de outro poeta, por força do carácter instintivo do estilo que defendemos. A rima, o metro e outras formas mecânicas de se fazer poesia, seriam banidas – a nosso ver – pois, a arte não é, essencialmente, um exercício de arbítrio. Todas as formas poéticas fixas constituem um atentado à arte, funcionando como que gaiolas, na medida em que elas, com força de lei, demarcam o impulso criativo, impedindo o artista a ir além das infinitas possibilidades que tem de criar mundos.

    4- Há todo um conjunto de equívocos que se colocam entorno do título e do tema. Duas palavras similares, mas não iguais. O tema é a ideia mais importante que um texto contém, ao passo que o título é um nome identificativo que se coloca, geralmente, no princípio de um texto. Atribuir um título às composições literárias tornou-se uma prática comum no Renascimento. Os sofríveis, no seu exacerbado uso da razão, produzem o poema em função do título, como se de uma máxima se tratasse. Na agristética, o título aparece como o último elemento do poema, por vezes, ganhando força de tema, resultante de uma última reflexão em torno do já escrito, e noutros casos, como uma espécie de conclusão. Se procuramos buscar o impulso criativo através do acaso e do fluxo das experiências, instintivamente, despejadas sobre a obra, não encontramos nenhuma razão de o título ser o primeiro elemento da estrutura textual. A estrutura do texto é determinada instintivamente pelo pensamento e não por critérios pré-estabelecidos.

     5- No quadro das possibilidades infinitas de transgressões, especificamente na arte de grafar correctamente as palavras (ortografia), optamos pelo não uso do apóstrofo, na medida em que o seu desaparecimento não deturpa a natureza fónica da palavra, em casos de síncope (supressão de um elemento no meio da palavra – pra). Alargamos também o uso do acento grave, propondo a crase induzida (contracção de duas vogais idênticas que não formam ditongo – dàlma) como um dos possíveis processos de economia da palavra a favor da estética da sugestão. No âmbito das inversões estilísticas, a posição dos adjectivos depende das possibilidades semânticas que estes podem encerrar e da riqueza sonora que os mesmos podem proporcionar, visto que estamos numa época do poeta-declamador.

     6- O poeta no seu macro-instintivo exercício de criação pode contemplar um momento actual, pode reviver por instante um facto antigo, e pode ainda, divinalmente, antecipar o futuro.

     Na nossa poesia, há uma abordagem profunda à realidade imaginária, ao social político e afectivo, sofrido, sentido e observado por nós, jovens sublevados em todos os aspectos possíveis da vida humana. O que pressupõe haver uma multiplicidade de temas, apesar de ocorrer com maior incidência, questões que transponham a realidade conhecida com olhos de humanidade.

     Reside, na nossa poética, uma inquietude filosófica, existencial e metafísica, que nos leva a produzir, preferencialmente, uma poesia místico-filosófica e social, que se consubstancia na busca permanente pelo homem, bem como na sua problemática relação com o outro (poder) e nas constantes indagações em torno da origem, o que nos leva a ir mais além do concreto, mais além do palpável, para escrevermos as imperceptíveis armaduras do inexplicável.

O meu maior desejo
é chegar a mim

«Mabanza  Kambaka»

… o pecado inocentava
a imperfeição de deus

«Gabriel Rosa»

Cada viagem que faço
torna-me um passageiro do mundo

«Waxyakulu»

     O erotismo é, indubitavelmente, um dos melhores espaços de contemplação do belo. O amor apresenta-se como o principal motor da transcendência erótica. Os poetas constroem actos amorosos, buscando o insólito nas palavras.

Em teu corpo descalço os dedos
Um suco do pomar toca a ponta da tua carne

«Kwononoka»

     Pese, embora, de um ponto de vista temático, optemos, preferencialmente, por temas de carácter místico-filosófico, entendemos, por um lado, que o poeta não se pode alhear completamente da realidade que o circunda; e, por outro, deve, com a arte, evitando ataques directos, denunciar situações de injustiças e outros vícios, utilizando procedimentos de retóricas adequados.

    Contrapondo os ideais de teóricos com orientação «romântica», que levam o poeta a assumir uma única pátria, entendemos nós que o sujeito poeta não tem uma pátria definida. Num instante, pode ser daqui, noutro, de acolá, e, no mesmo instante, tanto pode ser daqui como de acolá. O sujeito poeta, não tendo uma ideologia política, tem a sua própria ideologia e faz a sua própria política. O sujeito poeta não tendo uma, é a sua própria religião. O sujeito poeta liberta-se de tudo em prol da poesia.

Um pé no alto
Outro no baixo
No igual caminho
Caminham desiguais

«Agostinho Gonçalves»

Do deus que proíbe criar e transcender
Sob a trombeta da existência

«Gabriel Rosa»

Possivelmente eu viva em esta terra
mas não sou só desta terra
estou aqui
estou ali
estou também além de mim

«Mabanza Kambaka»

    Todos os caminhos já foram trilhados por outros pés, não pelos nossos. Cabe-se-nos abrir um novo caminho, nos caminhos já trilhados, sem perder de vista os procedimentos utilizados e, sobre esses, atarmos os nossos pés e começar uma nova jornada.

Só as ondas sonoras 
A percorrerem a mesma trajectória desordenada
Então renego

«Waxyakulu»

     Aos filósofos padroeiros da teoria absurda que define o homem como um organismo que nasce para a morte e que o sentido da vida é prepararmo-nos para a morte, não encontrarão espaço nestes metatextos, pois, os agriscultores têm os seus olhos como que holofotes centrados na posteridade, respondendo, assim, ao adágio de Konde de Buffon, em detrimento do pessimismo axiomático desses filósofos: E, na busca incessante da imortalidade, com todo esmero que se nos exige, uma imortalidade que só será possível através de infinitas transgressões a nível dos escritos, permitam-nos aduzir estes metatextos.

A vida é uma escada de transgressões
ninguém passará a posteridade
com versos mortais

«Azwie Van-Dúnem»

     Aos jovens poetas patronos do naturalismo, da poesia simples, aquela que se esgota facilmente na primeira leitura, uma poesia na esfera da linguagem corrente, quando, na verdade, a poesia é a linguagem do mistério, encontrarão a sua maior objecção no poema «verbos do belo».

Data-se-me
a inviolabilidade do belo
lei primeira do saber criação

«Mabanza Kambaca»

     Durante muito tempo, coexistiu a crendice de que o poeta nasce e o prosador faz-se. Hoje, está provado que o poeta é a escola. Estamos conscientes disto, sinónimo de reconhecimento de que é preciso passar por variadíssimos caminhos para nunca chegar, pois, o poeta nunca chega ao poeta preconizado (?). O poeta é uma obra em tenaz construção, uma obra por se acabar, nasce um novo ser no nascer de um verso.

Todo um universo de seres
por se acabar

«Febo Vãorélio»

     Mais do que simples jovens, somos filósofos e poetas, e fazemos da reflexão e a lógica, que se nos afigura, a subvenção do nosso fazer poesia, através de constantes diálogos com o eu lírico, na busca dos fins últimos das causas.

     Os poetas, ao construírem hipermercados de possibilidades, são como que pequenos e/ou grandes Deuses. Sentimos Ish na alma e vocábulos passam a ser veículos que nos transportam para a inteligibilidade, ali, além do metafísico.

    7- Em virtude de tudo que foi dito, queremos reafirmar o carácter instintivo da «nossa arte» e afastar qualquer ideia positivista em torno dela. Que a intuição não seja um subterfúgio para textos pouco conseguidos, porquanto, é essencialmente a palavra transfigurada que faz da Literatura uma arte e, no nosso processo de criação, apresentamos uma gramaticalidade própria. É importante frisarmos que não queremos, com isto, pôr em causa, deliberadamente, a normalidade das convenções num mero acto de vanguarda. Assim, a Agristética: Cabeça na lua; pés na terra.

Luanda, 2015

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